Valor de referência real para pequenos municípios

A Lei 14.133/2021 traz expressamente a obrigatoriedade de definição “valor de referência” para cada licitação, calculado com base em pesquisa de preços de mercado e outros elementos disponíveis, como custos históricos de contratações semelhantes, levando-se em consideração a complexidade do objeto a ser contratado e as características do mercado.

No entanto, diversos municípios do interior do estado de Mato Grosso estão encontrando dificuldades para cumprir a exigência da nova lei de licitações no que tange à obtenção do valor de mercado realmente aplicável à região do órgão licitante.

Ocorre que pelo critério e práticas anteriores, da Lei 8.666/93, que já mencionava o “orçamento estimado em planilhas”, em muitos casos bastava a coleta de três ou mais orçamentos para se chegar ao valor de referência, ao passo que, atualmente, sob a égide da nova lei, se faz mister observar parâmetros de contratações públicas e valores constantes de outras licitações. Porém, impende notar que nesses outros certames os preços já foram registrados abaixo do praticado nas regiões de Mato Grosso, pois passaram pela disputa para se chegar ao vencedor com a proposta mais vantajosa ao interesse da Administração.

A transição de práticas e critérios demandam preocupantes ajustes e adaptações por parte dos servidores e gestores públicos, especialmente em regiões nas quais as referências de preços são escassas ou diferentes em relação às outras do Brasil, considerando-se, por exemplo, os preços de combustíveis e, por conseguinte, de frete que se alteram significativamente de região para região, inclusive dentro do próprio continental estado de Mato Grosso.

Assim, os valores de referência tem se mostrado fica irreais, fazendo com que um número menor de empresas se interesse em participar das licitações, dada a inexequilidade dos preços apenas formalmente referenciados, vindo a prejudicar a obtenção de propostas vantajosas e factíveis para a Administração Pública e a melhor seleção de empresas qualificadas para a execução dos contratos.

Ora, a própria Lei 14.133/2021 proíbe expressamente a utilização de preços inexequíveis na formação do valor de referência, a fim de se evitar essas propostas economicamente inviáveis, enganosas que se transformam em fábricas de aditivos contratuais.

Tal celeuma já alcança, inclusive, as contratações diretas sem licitação.

Alguns respeitáveis interpretes da nova lei de licitações entendem que a pesquisa de preços deve ser ampla, abrangendo não apenas o mercado local, mas também outras regiões do estado ou até mesmo do país inteiro. No entanto, é importante ressaltar que a lei não estabelece de forma específica os limites geográficos da pesquisa de preços, deixando margem para interpretações diversas.

Logo, torna-se claro que os municípios podem realizar estudos de mercados mais locais para identificar os principais fornecedores e prestadores de serviços da região, bem como encontrar preços reais praticados para diferentes tipos de produtos e serviços.

Também há dificuldade enfrentada pelos pequenos municípios devido à exigência de coleta de orçamentos e valores de licitações realizadas nos últimos doze meses. Essa desafiadora exigência afeta, especialmente, os trabalhos das equipes em decorrência de diversos fatores, inclusive aqueles sazonais, como situações climáticas e questões da economia agropecuária que tem levado empresas do ramos a proporem recuperações judiciais.

O princípio da razoabilidade, ou bom senso, é aplicável para os casos excepcionais e necessários, de modo que os municípios podem e devem avaliar a possibilidade de flexibilizar os prazos de referência para a coleta de informações de mercado, levando em consideração as particularidades locais e as dificuldades enfrentadas para obter referências atualizadas. Frisa-se, essa flexibilização deve ser criteriosa, garantindo a legalidade e a transparência dos procedimentos, atraindo mais interessados aos certames, mesmo porque as licitações realizadas com base em preços reais de mercado são aquelas nas quais os orçamentos são novos e da respectiva região licitante.

Ademais, o órgão licitante pode coletar dez ou mais orçamentos como parte do processo de pesquisa de mercado para embasar a formação do valor de referência, porém, a qualidade e a veracidade dos orçamentos obtidos são mais importantes para garantir a eficácia de cada licitação.

Portanto, é essencial que o órgão licitante adote medidas para assegurar a autenticidade e a confiabilidade dos orçamentos obtidos, buscando fontes de informação confiáveis e representativas do mercado em questão. Eis o maior cuidado e, eventualmente, a maior tese de defesa, caso os órgãos de controle não sejam suficientemente sensíveis e realistas para compreender a situação fática pela qual passam os agentes de contratações e suas respectivas equipes de apoio, bem como secretários municipais demandantes, dentre outros atores desse cenário.

O momento é de tensão para muitas pessoas, mas também a vontade de acertar e o medo de errar para não ser penalizado nem se tornar réu naquelas precipitadas ações por supostos atos de improbidade. Assim, que as pessoas continuem dialogando, aprendendo e extraindo experiências com outros órgãos e entidades públicas, tanto dentro quanto fora do de Mato Grosso.

NESTOR FIDELIS é advogado em Cuiabá.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias Cuiabá Notícias. 

Acesse o grupo do Cuiabá Notícias no WhatsApp e receba notícias atualizadas

  (CLIQUE AQUI)

“Ao comentar você declara ter ciência dos termos de uso de dados e privacidade
do Portal e assume integralmente a responsabilidade pelo teor do
comentário. “

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *