Renato de Paiva
Segundo a Bíblia, Salomão foi um homem poderosíssimo, dono de riqueza incomparável e sabedoria incomum. Admirava o vinho e as mulheres. Contam os textos sagrados que tinha um harém com mais de mil delas à sua disposição.
Do vinho foi apreciador imoderado. Também a tentação era grande, diante de tão variada adega, abastecida por safras generosas.
Bens materiais conquistou como ninguém: “Possuí bois e ovelhas mais do que possuíram os que antes de mim viveram em Jerusalém”, escreveu.
Desfrutou como quis do luxo e do poder: “Plantei para mim vinhas e pomares”, […] “Tudo quanto desejavam meus olhos, não lhes neguei”.
Um belo dia – agora já é imaginação do cronista – já entrado nos anos, acorda Salomão com dor de cabeça, passa o dia meio acabrunhado e à noite dispensa a beldade da vez, para o espanto do vassalo encarregado da preparação da alcova.
“Perdão, majestade, quer que eu traga outra?”
“Deixa pra lá” Salomão deve ter respondido em hebraico, que era a língua que ele falava, suponho.
“Aceita um vinho daquela vossa reserva especial?” Insiste o alcoviteiro.
“Não enche o saco” talvez agora tenha dito em Aramaico ou outra língua qualquer, das muitas que o rei dominava.
O assessor chama o eunuco chefe do harém e o manda levar de volta a mercadoria recusada.
“Uai (eunuco mineiro?) Sua Alteza tá mal hem!”, malicia o chefe do harém.
Alastra-se o buchicho no palácio, começando pelos eunucos, sentindo-se agora um pouco vingados de sua incapacidade sexual provocada. Com as vozes aflautadas, fruto da emasculação precoce, divertem-se com as mulheres de que cuidam, cantando uns versinhos improvisados:
“O rei tá meio gá gá
Já deu o tinha que dá.”
O fato, não a gozação – que dela não ficou sabendo – mas a falhada, leva o rei à reflexão, porque sábio reflete, diferente de nós que ordinariamente, no máximo, pensamos. Olha-se no espelho e vendo a cara enrugada e as olheiras escuras, murmura:
“Pô, Salomão, V. Majestade não é mais o mesmo.”
E não era mesmo. O vinho já lhe fazia mal e a disposição na alcova diminuía a cada dia. O fim se anunciava.
“Vaidade de vaidades, tudo é vaidade”, cunha então a famosa frase e passa a aconselhar sobre a futilidade das posses, da sabedoria, do poder…
Não consta que tenha se privado de alguma regalia: não abdicou do trono, não doou a fortuna e nem se desfez do harém.
“Com os anos não diminui em nós a vaidade, e se muda, é só de espécie” ensina Matias Aires, o primeiro filósofo brasileiro.
O mesmo filósofo afirma: “Há vícios que raramente deixamos, se eles primeiro nos não deixarem; e quando com o tempo seguimos o exercício de obrar bem, não é porque o conhecimento, ou a experiência nos determine, mas porque continuamente os anos nos vão fazendo incapazes de obrar mal; e assim virtudes há que primeiro começam pela nossa incapacidade, do que por nós mesmos.”
A maioria dos conselhos dos velhos não encontra acolhida nos moços. Poderia ser diferente? À vaidade de fazer coisas, acumular bens e ter poder, a idade nos acrescenta outra: a mania de aconselhar, nem sempre amparada no próprio exemplo.
Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor.