Gonçalo Antunes
A mitologia grega, repleta de narrativas sobre deuses, heróis e suas interações com o mundo dos mortais, apresenta uma série de metáforas sobre a condição humana, seus limites e possibilidades. Entre esses mitos, destaca-se o de Sísifo, rei de Corinto, cuja história nos fala não apenas sobre punição, mas sobre a busca de sentido em meio ao absurdo.
Este mito tem sido amplamente discutido na filosofia moderna, especialmente por Albert Camus, que o utiliza como símbolo para refletir sobre o absurdo da existência humana.
Sísifo foi condenado pelos deuses a uma tarefa eterna e inútil: ele deveria rolar uma pedra montanha acima, mas, ao alcançar o topo, a pedra rolava de volta, obrigando-o a recomeçar sua tarefa interminável. A condenação de Sísifo foi imposta por suas repetidas tentativas de enganar os deuses, fugindo da morte e desafiando as ordens divinas.
Esse ciclo de esforço inútil e repetitivo foi visto pelos gregos como uma punição terrível. O fardo de Sísifo não estava apenas no trabalho árduo, mas no fato de que sua tarefa nunca teria um fim, representando, assim, o esforço humano em busca de um propósito ou resultado que parece constantemente fora de alcance.
Albert Camus, em seu famoso ensaio filosófico “O Mito de Sísifo”, reinterpretou a figura de Sísifo à luz do conceito de absurdo. Para Camus, o absurdo surge da contradição entre o desejo humano por sentido e a indiferença do universo, que permanece silencioso às nossas demandas por respostas. Ele descreve a situação humana como uma busca contínua de propósito em um mundo que não oferece garantias de sentido.
Sísifo, para Camus, é o herói absurdo. Ele está consciente de sua condição, do caráter inútil de seu esforço, mas, mesmo assim, continua sua tarefa. Camus argumenta que a grandeza de Sísifo reside justamente na sua consciência e na sua recusa em se render ao desespero. Embora sua tarefa seja inútil, ele não se ilude com falsas esperanças e não cede ao niilismo. Para Camus, “o esforço para alcançar o cume é suficiente para preencher o coração de um homem”, e é por isso que ele termina seu ensaio com a frase: “É preciso imaginar Sísifo feliz”.
Esse mito, sob a ótica camusiana, se transforma em uma metáfora poderosa da vida humana. Todos, de certa forma, são Sísifo, carregando o peso das rotinas, responsabilidades e lutas diárias, muitas vezes sem um propósito claro ou garantido. No entanto, a resposta à indiferença do universo não deve ser o desespero, mas sim uma aceitação corajosa do absurdo. O sentido da vida não está em um propósito transcendental, mas na própria experiência de viver, no ato de resistir e persistir.
A reflexão de Camus sobre o mito de Sísifo também ressoa com o pensamento existencialista de filósofos como Jean-Paul Sartre. Sartre, em sua obra “O Ser e o Nada”, também explora a ideia de que o ser humano está condenado à liberdade. Assim como Sísifo, os indivíduos são forçados a criar sentido em um mundo que não oferece respostas definitivas. Para Sartre, a existência precede a essência, ou seja, não há um propósito ou significado predefinido para a vida. O ser humano, portanto, deve constantemente criar seu próprio significado, mesmo diante da ausência de qualquer certeza ou garantia.
Sartre e Camus, embora com nuances diferentes, compartilham a ideia de que a liberdade e a responsabilidade humana estão no centro da experiência de vida. Ambos rejeitam a ideia de um destino fixo ou de uma ordem divina que guie os homens, e defendem que o homem deve encontrar seu caminho em um mundo indiferente.
É por aí…
Gonçalo Antunes de Barros Neto é ocupante da cadeira 7 da Academia Mato-Grossense de Letras.