Professores como intelectuais da educação

ALEXANDRE CAMPOS

Como professor, assumi a minha primeira turma em 1996, na Escola Estadual Ferreira Mendes. Ô saudades do Baiaca! Suando frio de preocupação, mas também orgulhoso por conquistar um espaço da mais alta honraria em uma sociedade. Enfim, eu fazia parte de um time de professores.

O que o professor iniciante quer, num primeiro momento, é ser aceito pelos colegas, pela equipe gestora, pelos alunos. Ser reconhecido como bom professor requer muita dedicação pois, ao lado das tarefas diretamente ligadas à sala de aula – focadas na aprendizagem dos alunos – existem as intermináveis tarefas burocráticas impostas pela escola e pelos órgãos mais centrais dos sistemas de ensino – as secretarias de educação.

Com o passar do tempo vamos aprendendo muita coisa sobre a comunidade escolar. Sondamos os grupos e “panelinhas” que se formam na instituição e na rede de ensino, identificamos as demandas burocráticas que merecem maior atenção – distinguindo daquelas mais “fogo de palha” –, eventualmente conhecemos as famílias dos alunos, percebemos as dinâmicas e os territórios existentes no bairro e em seus entornos, escolhemos as melhores linhas e horários dos ônibus etc. Acima de tudo, construímos laços profissionais e pessoais.

Ao final do contrato com a Seduc, porém, muito desse conhecimento é desperdiçado. Ao lado do conhecimento pedagógico do conteúdo – ou talvez como mais um de seus elementos – os saberes vinculados àquela comunidade escolar são fatores determinantes para o bom desempenho dos professores. Sim, as mudanças são importantes, mas “não me altere o samba tanto assim”. Manter uma certa regularidade na equipe docente de uma escola ajuda a elaborar estratégias mais “pé-no-chão” e a estabelecer metas mais factíveis.

A importância dessa regularidade na equipe docente é reconhecida pelos pesquisadores da área educacional. Desde 2013 o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) vem mantendo o Indicador de Regularidade Docente da Educação Básica.

Analisando este indicador e comparando as redes estaduais percebemos que essa regularidade vem melhorando no Brasil e caindo no Centro-Oeste e em Mato Grosso.

A queda da regularidade docente na rede estadual de ensino de Mato Grosso mostra-se alarmante. Caiu quase 10%! A que se deve esse resultado? Ausência de concursos regulares? Abandono da docência? Sistema de atribuição de aulas mal concebido?

Qualquer que seja o motivo, o fato é que esse cenário fragiliza o corpo docente de uma escola, reduz as possibilidades de maior autonomia profissional, estabiliza os projetos coletivos, empobrece a formação continuada – aquela centrada na escola – e impõe obstáculos ao desenvolvimento profissional docente.

O que os estudos sugerem é justamente o inverso: maior regularidade do corpo docente e maior autonomia e condições de trabalho aos professores para que possam assumir as grandes metas de aprendizagem da escola como um todo e de cada aluno em particular. Sugerem uma autonomia que permita aos professores estarem à frente do Projeto Político Pedagógico da escola e da formação continuada docente.

Diante dos baixos níveis de aprendizagem dos alunos, os docentes precisam ser cobrados, sim. Mas não para preencherem formulários inócuos e intermináveis, ou para comparecerem a eventos pirotécnicos com o youtuber da vez. Precisam ser tratados e cobrados enquanto intelectuais do ensino.

Aos que vêm estudando os temas educacionais, peço perdão pelo conjunto de obviedades que trouxe neste texto. Mas, às vezes, o óbvio também precisa ser dito.

ALEXANDRE CAMPOS – é gestor governamental em Mato Grosso. 

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