O procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, pediu mais esclarecimentos por parte de órgãos e autoridades competentes, além da Advocacia-Geral da União (AGU), quanto às novas regras estabelecidas pela lei 12.434/2024, popularmente conhecida como Transporte Zero, em vigor em Mato Grosso. A legislação altera a política da pesca no estado estabelecida pela lei 12.197/2023, alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal (STF).
Manifestação publicada nesta segunda-feira (6), atende a determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, relator de ADI proposta pelo diretório nacional do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O partido aponta invasão da competência da União para editar normas gerais sobre pesca, conforme o art. 24, VI e §1º, da Constituição. Também “ofensa aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da democracia participativa; da liberdade de exercício profissional e do pleno exercício dos direitos culturais das comunidades pesqueiras”.
A lei 12.197/23 proibiu por cinco anos, a partir de janeiro de 2024, o transporte, armazenamento e comercialização do pescado oriundo dos rios mato-grossenses. Alterando então, dispositivos da lei 9.096/2009 inviabilizando “de forma arbitrária e criminosa a continuidade dessa forma de vida e labor, prejudicando ainda mais as comunidades que historicamente já estão em desvantagem social e econômica”, diz o MDB.
Em sua primeira manifestação quanto às mudanças, a PGR apresentou parecer pelo deferimento parcial da cautelar para suspender a eficácia do art. 19-A da Lei n. 9.096/2009. Mencionou apontamento do Ministério da Pesca “de ausência dos estudos técnicos ou evidências científicas que sustentassem a necessidade de suspensão da atividade laboral a fim de garantir recursos pesqueiros no estado.
A medida “representa uma ameaça significativa para os pescadores profissionais artesanais”, com possibilidade de causar “danos éticos, sociais e econômicos às comunidades pesqueiras”.
Também foi alegado pela Advocacia-Geral da União que a nova lei traria prejuízos previdenciários aos pescadores profissionais, visto que com o afastamento da atividade laboral por 12 meses, além do recebimento de auxílio financeiro por três anos, como determina nova regra, eles perderiam direitos trabalhistas, como aposentadoria especial. Além disso, alegou violação da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), impacto no benefício do seguro defeso e perda de cobertura previdenciária.
Diante dos argumentos, o ministro André Mendonça decidiu pela realização de audiências de conciliação entre o Estado e a União para tratar do tema. Na primeira, realizada em 25.1.2024, ficou decidido que o governo do estado apresentaria proposta de flexibilização da lei 12.197/2023, ouvindo as partes (pescadores, autoridades, cientistas e partidos que propuseram a ADI; inicialmente o MDB e posteriormente o PSD).
No dia 1° de fevereiro deste ano, o Governo de Mato Grosso apresentou o Decreto Estadual nº 677/24, onde restou proibida a pesca de 12 espécies (Cachara, Caparari, Dourado, Jaú, Matrinchã, Pintado/Surubin, Piraíba, Piraputanga, Pirara, Pirarucu, Trairão e Tucunaré) e a liberação das demais. Decreto transformado na Lei n. 12.434/2024, trinta dias depois pela Assembleia Legislativa. O governo pediu nova audiência de conciliação para o dia 2 de abril, observando tempo para estudos da nova lei pelas partes integrantes do processo.
Na ocasião, o partido autor da ADI, reiterou a alegação de que a lei estadual invadiu competência da União para editar normas gerais sobre pesca. Afirmou que a proibição do transporte, do armazenamento e da comercialização das 12 espécies é análoga à proibição da pesca contida no art. 19-A da norma originalmente impugnada. “Porquanto adotada sem qualquer lastro científico e sem observar os dados das instituições oficiais de pesquisa, com total inobservância das leis federais que regulamentam a pesca”.
Disse, ainda, que as mudanças propostas não resolvem os efeitos deletérios da lei originalmente questionada: desemprego, pobreza, perda de modo de vida, exclusão e marginalização, perda de conhecimento tradicional, racismo ambiental, violação da Convenção n. 169 da OIT, impacto no benefício do seguro defeso e perda de cobertura previdenciária.
O MDB requereu a concessão de medida cautelar para suspender a vigência da lei impugnada e “o julgamento do mérito para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 12.434, de 1º de março de 2024, mantido o pedido de inconstitucionalidade da Lei nº 12.197/2023 do Estado do Mato Grosso”.
Diante dos argumentos, o ministro André Mendonça declarou “frustrada a conciliação entre as partes”. Os autos retornaram à PGR que renovou o “pedido de esclarecimentos aos órgãos e autoridades informantes e o pronunciamento complementar da Advocacia-Geral da União a respeito das alterações promovidas pela Lei n. 12.434/2023”.
“Esperamos que esta lei seja derrubada e que a legislação nacional mantenha-se soberana. Não podemos impedir os pescadores de exercerem sua profissão sem qualquer embasamento científico que corrobore a tese de que tal exercício esteja prejudicando o meio ambiente. Tampouco negar a eles suas garantias trabalhistas e constitucionais. Espero que o ministro André Mendonça seja iluminado em sua decisão”, disse o deputado estadual Wilson Santos (PSD) que tem defendido a derrubada da lei desde sua publicação.