Paolla Oliveira: ‘Vivemos em uma sociedade em que se não me posicionar, não vou existir. E eu quero existir’

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Paolla Oliveira fez sua primeira capa, justamente para Quem, ainda na versão impressa, em 2006. Quase duas décadas depois, a atriz não é mais a mesma – e nem poderia. Muitas das mudanças vieram com o tempo e a maturidade, outras em um trabalhoso e libertador processo de autoconhecimento e aceitação. Elevada a símbolo sexual desde o início da carreira, era também criticada pelo mesmo corpo objetificado como “mulher gostosa”, em um ciclo que começou a ter fim após uma crise recente. “Tive que ter coragem para falar ‘me deixem como eu sou, do jeito eu sou’”, lembra.

Ariana, Paolla completa 42 anos logo depois da estreia de Justiça 2, série antológica que chega ao Globoplay em 11 de abril. Ela é Jordana, uma psicopata que se envolve com Milena (Nanda Costa), uma mulher que cumpre pena por um crime cometido pela empresária. Destaque tem sido dado às cenas de sexo entre as duas, o que para a atriz é um enfoque mais que ultrapassado.

“É o tipo de coisa que não era mais para ser [notícia]. Aí que vemos que ainda temos que falar sobre alguns assuntos, bater na mesma tecla sobre o corpo da mulher, sobre esse interesse que as pessoas têm pelo lado preconceituoso em gênero, em relações homoafetivas”, explica, apontando que não é a primeira vez que isso acontece. “Já tive outros personagens complexos que também levaram para um lado muito mais banal”, diz.

Paolla abandonou filtros e edições de fotos e, nas redes, passou a ignorar os comentários ofensivos à sua aparência – com a qual fez as pazes recentemente. “Eu cheguei ao ponto de falar que tinha defeito (…) As coxas, o cabelo, o pé”, lista ela, que já usou roupa larga para parecer mais longilínea, fez dietas drásticas, e tentou ser outra. “Quando você não se gosta, a primeira coisa que você quer é mudar”, assume.

A tomada de consciência veio inspirada em outras mulheres – muitas ela conheceu via redes. Ao letramento se juntou uma jornada interna para ser quem queria. “Eu tinha tudo para ficar sentada em cima do meu próprio rabo e falar ‘eu não posso reclamar’. Mas eu posso reclamar, sim”, frisa. “A gente sempre tem espaço para se mover dentro da nossa própria vida. Ficar acomodada infeliz é que não pode”, avalia.

A mudança não foi aceita por todos. Alguns deixaram a convivência com Paolla, chamada de prepotente e arrogante. Outros chegaram para ficar, como Diogo Nogueira, de 42, com quem ela vive na casa do Rio onde conversou com Quem. Ela conta que o sambista não é “homenzinho alfa” e deu à atriz espaço para manter sua individualidade. “Para dar certo, são duas pessoas, duas personalidades, duas vidas. Não somos um só”, avisa.

Diogo tem um filho, e Paolla, que congelou óvulos, não pensa na maternidade. Já foi rejeitada para campanhas de publicidade por não ser mãe – sem filhos não seria “família” o suficiente, apesar de estar sempre com os pais e os três irmãos. Ela lembra que educou os homens à sua volta. “Tive um trabalhão para me livrar daquela macheza toda dentro de casa, mas já está todo mundo modificado”, conta a atriz, que cresceu em um lar patriarcal e nunca pensou que a arte era uma opção viável.

Depois de 18 anos, o contrato de Paolla com a Globo chegou ao fim ano passado. O recomeço profissional vem junto com a transformação na vida pessoal. “Sou uma nova mulher, com pilares mais fortalecidos e com liberdade. E a liberdade dá um pouquinho de trabalho de você escolher o que vai fazer”, diz ela, contando que escolhe ver o copo sempre cheio e que não se arrepende de nada. “Temos de viver todo dia para chegar na idade que for bem feliz, olhar para trás e falar ‘maneiro, que bom que eu passei por tudo isso’”, ensina.

Muitas matérias sobre Justiça 2 e seu núcleo enfatizam sua personagem [Jordana é bissexual], que tem uma amante, que você e Nanda Costa terão “cenas quentes”, “beijos”. O que pensa deste tipo de apropriação dos corpo femininos?

Com uma personagem como Jordana, claramente o que tem que se falar sobre ela é sua personalidade, falta de caráter. Não sobre o relacionamento que ela tem. O romance é interessante porque Jordana e Milena seriam inimigas naturais, então é algo inusitado neste sentido. Mas não por serem duas mulheres.

Algo que deveria estar ultrapassado em 2024…

É o tipo de coisa que não era mais para ser [notícia]. Aí que vemos que ainda temos que falar sobre alguns assuntos, bater na mesma tecla sobre o corpo da mulher, sobre esse interesse que as pessoas têm pelo lado preconceituoso em gênero, em relações homoafetivas. Já tive outros personagens complexos que levaram para um lado muito mais banal. Mas são outros tempos. Tenho esperança de que vai se falar do que realmente interessa, que é a trama.

Temos que viver todo dia para chegar na idade seja qual for bem feliz, olhar para trás e falar ‘maneiro, que bom que eu passei por tudo isso’. Não me arrependo de nada que eu fiz

Como você chegou até Jordana?

Achei Justiça incrível e não tem como não achar, né? O tema é muito forte e faz a gente refletir sobre tudo, o que é justiça, o que eu faria naquela situação. As histórias são muito bem elaboradas, e eu sou muito apaixonada por esse tipo de roteiro que te dá nó em todos os sentidos. Estava em uma reunião [na Globo] falando sobre para onde queria caminhar dentro da emissora e tive a possibilidade de fazer um teste para Jordana. Eles chamam de teste, mas é também sobre a adequação ao personagem. Não me nego, apesar de várias vezes terem me falado ‘mas você vai fazer teste?’. Faço, sim. Essa egotrip ainda não me pegou.

Você fala sobre empoderamento há algum tempo e como atriz seu corpo está a serviço do personagem. Te incomoda o foco no sexo, no corpo?

O que importa são as cenas quentes, né? Passei um tempão da minha vida vendo minha carreira sendo ali um pouco examinada pelas cenas quentes, com nudez ou sexo, que são coisas que fazem parte da vida. A gente não conta uma história, a não ser que ela seja infantil, sem alguns elementos. Como vi a minha vida também muito cerceada por esse lado, de todas as maneiras tentei sair e consegui. E agora que consegui, quero firmar este desejo de ser maior do que essas cenas.

Como?

Temos que continuar falando sobre a objetificação em todos os sentidos, com quem é conhecido e quem não é, fora e dentro do trabalho. As coisas têm que ser vistas pelo que tem importância. Será que isso tem importância agora? Talvez tenha um outro contexto, mas nesse trabalho não é o principal, não é o mais importante, e nem na minha carreira era também .

Superou esse olhar?

O caminho é um pouco longo quando se fala de uma sociedade toda, mas em relação ao meu trabalho não me incomodo mais. Quebrei uma barreira com todos os personagens que fiz, com todas as cenas de nudez, com as coisas que disse mesmo me sentindo massacrada em alguns momentos. Estes tempos venho falando sobre esta pressão de não agradar todo mundo e as expectativas não serem cumpridas o tempo todo, desta objetificação em torno inclusive do trabalho.

Nos últimos anos, você abandonou os filtros, as fotos retocadas, e, para quem está de fora, parece ter tomado de vez posse de seu corpo. Como foi este processo?

Foi um acúmulo [de coisas]. Eu nunca descansei, principalmente em relação ao meu trabalho. Acho até que a mulher Paolla se perdeu um pouco nisso, então o que eu venho falando ultimamente é sobre a mulher. Sempre briguei muito pela Paolla profissional, para que o trabalho fosse sempre maior [que o corpo], que fosse além. Eu bati muito nessas teclas. Consegui colocar uma carreira em pé e fugir dessas ciladas, mas deu muito trabalho.

A beleza chegava antes?

Tudo que era menos interessante para mim chegava antes, como a beleza, quem era o par romântico, se tinha cenas de nudez ou mais de sexo. Tudo tudo isso já passou à frente.

O que você acha que o público vai levar da Jordana e da série?

Ela foi um personagem diferente, me levou para um caminho de um trabalho mais objetivo. Foi criada uma psicopata mesmo, mas sem grandes arroubos. Só da Jordana estar ali já estava dita a personalidade e o quão complexa ela era. Acho que as pessoas vão levar esse registro da Paola, que me parece um registro novo. E não tem como você assistir Justiça e não levar alguma coisa, nem que seja ficar refletindo depois sobre o que faria naquelas situações.

Você tem que ter coragem para ser uma mulher em uma família só de homens, com uma educação muito patriarcal, bem à moda antiga

O que é justiça para você?

Nunca estou preparada para essa pergunta. É que é tanta coisa, é tão estreitinha a linha entre justiça, ética, direitos, deveres, leis… Se a gente não tivesse leis que nos possibilitem ter uma sociedade para viver de forma minimamente organizada, como ia conseguir entender a justiça? Ela ia virar vingança. São limites complexos, mas acredito que na justiça existe um espaço de liberdade até o direito do outro. O que sai disso, para mim complica, afeta o outro. E o que afeta o outro merece justiça em algum nível. Mas não tenho uma definição e nem acredito muito na justiça. Ela se mistura muito com o que gostaríamos de fazer, o que podemos fazer, algo de lei, de acharmos que deveria ser feito mais, de ter vontade de fazer justiça com as próprias mãos.

Você tem um bordado aqui em sua casa escrito ‘Ser mulher é ser coragem’. Em que momentos precisou ter mais coragem?

Todo o tempo, e aí você pensa ‘nossa, como Paolla é genérica’ (risos). Mas vou explicar: eu tenho uma criação em que não é para eu ser uma atriz, não é para eu me sentir livre dentro das possibilidades [da vida]. Eu sou simples. Não tinha nenhum entendimento, por exemplo, de artes. Fui descobrindo as artes e achei que ia ser um hobby para eu ser uma pessoa melhor. De repente, isso se transforma no meu trabalho e eu agarro com todas a força que eu tenho.

Contra sua família?

Não é contra, mas eles não sabiam o que era [ser atriz]. Você tem que ter coragem para ser uma mulher em uma família só de homens, com uma educação muito patriarcal, bem à moda antiga, que é o que foi possível. Descobrir um ramo que a minha família não tem a menor ideia do que seja e ao qual a gente não foi muito apresentado. Eu não cresci vendo teatro, não foi uma infância muito lúdica. Aí eu descubro as artes, me apontam para o Brasil inteiro e falam assim ‘faz aí um negócio, uma novela das 8’. Foram as oportunidades.

Que exigiram coragem.

Sim, tive coragem de me aproximar das oportunidades quando elas vieram e a coragem de fazer o melhor, de buscar, de me colocar naquela situação. Depois é uma coisa atrás da outra. Eu fiz a minha primeira novela, a primeira protagonista, tive grandes grandes chances e tudo precisou de coragem. Eu precisava de coragem sabe para quê? Para fazer entrevista.

Por quê?

Eu tinha pânico porque as pessoas perguntavam ‘qual é a sua melhor lembrança da infância?’, ‘qual é a parte sua de que você mais gosta?’, ‘onde você se vê daqui a 10 anos?’. Eu tinha pavor, eu não sabia responder essas coisas, eu não sei até hoje. Mas agora eu consigo falar para você que eu não sei e não tenho a menor ideia. Eu fui me conhecendo muito exposta.

De que forma?

Eu me reconheci mulher já tinha 20 e tantos anos, uma mulher que tem um corpo x, mas que aos olhos dos outros é gostosa. E a gente não se vê assim. O ‘fora’ começou a interferir. Eu precisava de coragem para combater aquilo, mas nem para tudo minha coragem me serviu, tanto é que eu fiquei entalada novamente depois de alguns anos. Tive que ter outra coragem para falar ‘me deixem como eu sou, do jeito eu sou, sem as respostas certas’. O mundo está bem melhor para a mulher hoje, apesar de estar longe da perfeição, mas a gente precisa de coragem para sair todo dia com a roupa que quer, por exemplo. Falamos muito em ser o que quisermos, mas não depende só de nós. A gente precisa de coragem todo tempo para seguir firme nos nossos propósitos.

Eu preciso ter coragem para me posicionar, até porque vivemos em uma sociedade – falando sobre mulheres – em que se eu não me posicionar, eu não vou existir. E eu quero existir. Eu existo, então eu vou me posicionar, vou apanhar.

Inclusive para enfrentar as críticas ao se posicionar, ao falar sobre empoderamento, corpo, dizer ‘é isso e pronto’.

Com certeza. O ‘é isso’ estava dentro de mim, mas precisei da coragem para falar para todo mundo e para me encontrar também. E mais do que falar para outras pessoas, para outras mulheres, eu tive coragem de falar ‘cara, não tá bom para mim, não’. E eu sou uma pessoa cheia de privilégios, tenho uma carreira que apesar de muito trabalho deu certo, sou uma pessoa bem-sucedida, com independência financeira, com liberdade de expressão. E mesmo assim a gente precisa ter coragem nesse mundo.

Há dois anos, no Rock in Rio, você disse que o governo, que naquela ocasião era o anterior, tinha tirado o direito das pessoas ficaram caladas, de não se posicionarem. Quando você passou a se posicionar, em relação aos mais diversos assuntos, qual foi a reação?

É complicado porque quando se é uma pessoa pública as pessoas falam ‘tá, mas e aí, a gente quer saber’ [de outras coisas]. É um sistema que também faz parte da minha vida, então é impor limites.

Você consegue?

Abri muito mais a minha relação hoje em dia, por exemplo. Eu me coloco para o mundo como uma pessoa que tem um relacionamento. Tinha muito medo das perguntas sobre isso, porque o tempo todo estavam me separando, me engravidando. Teve uma parte da minha vida que eu abri, e as outras imponho limites. Você falou do governo anterior e se posicionar, é verdade, mas tudo que a gente é obrigado a fazer que pelo menos se consiga mover para um outro lugar.

Eu tinha tudo para ficar sentada em cima do meu próprio rabo e falar assim ‘eu não posso reclamar’ (…) Mas eu posso reclamar, sim. A gente sempre tem espaço para se mover dentro da nossa própria vida.

Por exemplo?

Que seja uma transformação real. Eu preciso ter coragem para me posicionar, até porque vivemos em uma sociedade – falando sobre mulheres – em que se eu não me posicionar, eu não vou existir. E eu quero existir. Eu existo, então eu vou me posicionar, vou apanhar. Mas estou muito mais disposta e disponível para isso.

Você inclusive hoje fala abertamente sobre quem dá pitaco no seu corpo, como aconteceu nos últimos meses.

Sobre o corpo, a primeira coragem é a gente ver que não está bom [como é tratada]. Eu tinha tudo para ficar sentada em cima do meu próprio rabo e falar assim ‘eu não posso reclamar’. Eu pensava assim, ‘tenho um corpo maneiro, uma vida tal’, mas eu posso reclamar, sim. A gente sempre tem espaço para se mover dentro da nossa própria vida. Ficar acomodada infeliz é que não pode. Esse é o primeiro ato de coragem. Mandar um foda-se para as pessoas depois nos comentários da internet é mais tranquilo (risos).

O que você diria que é o difícil mesmo?

O mais difícil é falar ‘eu posso fazer, quero outra coisa, gosto do meu corpo’. Eu cheguei ao ponto de falar que tinha defeito, ‘ah, uma parte de você que você não gosta?’. Eu tinha que responder sobre isso e daí eu arrumava algo: eu arrumei as coxas, eu arrumei o cabelo, o pé. E meu pé realmente é meio chatinho, mas eu amo (risos).

Você chegou a se punir nessa época?

Claro. Quando você não se gosta, a primeira coisa que você quer é mudar. Quando você vai usar uma roupa e ela não entra, você fala ‘a roupa é maravilhosa, o que é ruim sou eu’. E aí você vai querer mudar, fazer dieta. É inevitável querer uma mudança que não existe. Eu, por exemplo, usei roupa larga um tempão porque achava que ficaria mais magra, mais esguia, que eu ia ‘enganar’ as pessoas. Eu queria era é ser mais aceita mesmo. Agora eu não quero mais. Olha que loucura, como a gente muda, né?

Mais aceita na sua profissão?

Aceita sei lá por quem, que a gente também não sabe ao que a gente está agradando. Às vezes falamos ‘eu quero usar um batom vermelho, mas é uma reunião de negócios’. Foda-se. É muita coisa, difícil às vezes a gente se colocar.

Como foi o processo de autoaceitação? Foi um letramento ouvindo outras mulheres, uma conscientização sua, um momento ‘não aguento mais, chega’?

Foi tudo isso. A gente vai passando no automático por algumas coisas, vai passando sobre as pressões, vai se anulando por conta, às vezes da família, do trabalho. E retomar isto [quem você é], leva tempo. Desde minha primeira entrevista estou me conhecendo, quem é a Paolla, como foi minha criação, porque queriam saber ‘como é seu pai, como a sua mãe’, eu falei ‘não sei’. Eu nunca tinha pensado sobre isso. E vale essa reflexão.

Quando você não se gosta, a primeira coisa que você quer é mudar. Quando você vai usar uma roupa e ela não entra, você fala ‘a roupa é maravilhosa, o que é ruim sou eu’. E aí você vai querer mudar, fazer dieta.

Foi uma virada?

De dois anos para cá dei uma virada, mas isso não aconteceu só neste dois anos. Eu venho prestando atenção, venho sem saber o que fazer, venho me desinteressando pelas coisas. Meu ofício ficou muito misturado; eu sou atriz, é isso que eu quero fazer da minha vida, mas aí ficou muito colado com a Paolla que vai para o samba, que é a pessoa física, com o relacionamento, com a pessoa exposta da internet. Então não teve essa virada. Teve uma grande tomada de consciência inspirada por outras mulheres.

Quem foram estas mulheres?

Eu tenho um monte de coisas para falar de mal da internet, mas eu tenho uma para falar de bom: várias mulheres chegaram, com vários recortes, histórias, com várias descobertas sobre elas. Umas falavam sobre o corpo, outras sobre relacionamento, outras diziam ‘eu faço o que eu quiser’. Pensei ‘caramba, eu sou essa pessoa e por que não estou bem? Preciso mudar alguma coisa’.

Como você cuidou da sua saúde mental e equacionou tudo isso na sua cabeça: as pressões externas, as cobranças internas, seus desejos?

É muito difícil a gente conseguir fazer isso absolutamente sozinha. Sempre se tem apoio, da família, do marido… Mas essas outras mulheres que eu falei, as leituras, tudo isso serviu.

Fez terapia?

Fiz também, porque aí é um pouquinho mais focado nos meus problemas. É um luxo, também, quem pode fazer terapia? E aí acaba que a gente vai parar novamente na internet, que é uma grande terapia. Ali tem gente, inclusive profissionais de saúde mental, falando algo que talvez seja o que você precisa ouvir. Talvez eu seja genérica, mas eu não consigo ver um foco, ‘ah, fiz yoga’. Tudo é saúde mental, o que você consegue pegar e aplicar na sua vida, desde as pessoas que amam você até as que não te amam, inclusive, ‘sai, não quero’, ‘não vou ver’, ‘bloqueado’… Também é um jeito de cuidar da sua saúde mental e dar importância ao que tem importância.

Você chegou a extremos para atender ao que outros exigiam de você, além das dietas?

Não, eu só não ficava feliz. Cheguei a não sair, ficava incomodada com a exposição. Na praia achava não estava boa o suficiente para botar um biquíni . Depois, que não estava pronta o suficiente para ouvir o que as pessoas iam falar[ de estar de biquíni]. Deixei de fazer algumas coisas, mas valeu porque cada tijolinho me trouxe até aqui. Eu faço uma grande terapia que é meu trabalho, faço uma autoanálise porque todos os personagens que passam por mim passam pelo meu julgamento de valor.

Você sente o retorno de outras mulheres ao seu posicionamento?

O tempo todo. Todos os dias, em todos os lugares, da internet até ao vivo, me param e dizem ‘posso falar com você um minuto, posso te dar um abraço?’. Eu fiquei muito impressionada com a riqueza da identificação das outras pessoas. Às vezes um artista, uma pessoa pública, pode se perder nessa nessa coisa de ‘ah, eu influencio’, porque todo mundo influencia hoje. Eu sou zero egocêntrica. Nunca tive essa sensação; fazia meu trabalho e via o reconhecimento por ele. Eu poderia estar distante das pessoas [que procuram a atriz] porque eu tenho todos esses privilégios que eu falei. Elas falam ‘você é parecida comigo’, é um nível de identificação muito legal. Trabalho para não parar essa corrente. Fui inspirada por outras mulheres e estou gostando de ter somado forças e ter ficado mais consistente nesse lugar.

No seu círculo íntimo, como essa “nova Paolla” foi recebida? Algumas pessoas não couberam mais na sua vida ou não se esforçaram para caber?

Acontece. Quando a gente toma as rédeas de novo da vida nem todo mundo entende. Você vira arrogante, prepotente, não é mais a mesma. Até ‘você enricou’ eu ouvi. Só que estou trabalhando nisso há 20 anos, não é de agora. Basta você dizer mais ‘nãos’ do que antes que já está diferente o suficiente para ser questionada. A maioria ficou, mesmo me questionando. Depois entenderam o movimento. E se não entendessem iam sair, não iam continuar. Algumas pessoas não ficaram.

Diogo entrou na sua vida em 2021, justamente, parece, neste processo de libertação e amadurecimento. Você teve dificuldade para encontrar um parceiro que soubesse lidar com esse empoderamento e desprendimento?

Relacionamento se não for uma parceria não dá certo mesmo. E, para dar certo, são duas pessoas, duas personalidades, duas vidas. Me incomoda um pouco a pessoa falar ‘ah, somos um só’. Não, não somos um só, somos dois. O Diogo tem essa consciência. Talvez por ser também uma pessoa pública, terem falado de sua vida, ele entende que existe o que dizem, e existe a gente. Por ter essa grandeza como artista, facilita para ele se colocar e saber que eu tenho o meu espaço. Fico bem feliz de ter encontrado esta pessoa que me dá espaço. Não tem outro jeito de ser.

Esse amor por você mesma, o conforto com a sua forma física e quem você é, resultou em uma vida mais prazerosa?

Não é o amor sobre mim que eu descobri, porque eu [me] gostava. Era sobre as respostas que eu não tinha que dar, sobre as expectativas que eu não tinha que atender. Comigo estava tudo bem, na relação em si eu não mudei muito. Mas se eu tiver que falar uma coisa que eu mudei foi saber que eu sou uma mulher de opinião mesmo. Porque, às vezes, até a personalidade a gente dá aquela floreada, porque pode desagradar alguém. O que eu senti que ficou mais aflorada foi a minha personalidade.

Cheguei a não sair, ficava incomodada com a exposição. Na praia achava não estava boa o suficiente para botar um biquíni . Depois, que não estava pronta o suficiente para ouvir o que as pessoas iam falar[ de estar de biquíni]. Deixei de fazer algumas coisas, mas valeu porque cada tijolinho me trouxe até aqui.

Em todos os aspectos?

A pessoa física não mudou muito porque essa continua a mesma, a essência está aqui. A pública é que era diferente, dava uma lapidada em quem era para agradar os outros, dava as respostas que talvez fizessem mal a ela mesma. A Paolla de dentro de casa não mudou muito. Mas sem dúvida, isso me deu uma potência de personalidade. Agora, então, perto do meu aniversário, ariana, posso dizer que realmente eu estou mais colocada. O Diogo acha tudo bonito (risos).

O que Diogo agregou de inédito para você numa relação?

Espaço. Diogo não se intromete muito, nunca fez uma pergunta dessas que eu já tive que falar ‘oi?’, que já vivi em outras situações, como ‘Essa roupa?’. Que mulher que nunca teve que ouvir uma bobagem dessas? Ele não me traz algo de novo, mas ele traz de esperado, de desejado. Diogo não questionou meu lugar, nem dentro de casa nem como artista.

Não se acha seu “dono”?

Exato, ele não tem isso do homenzinho alfa, do reizinho.

Você é uma pessoa muito família, Diogo também. Isso ajudou na relação?

Sim, temos valores parecidos, um deles esse pilar familiar, que é o cerne basicamente que a gente é.

Queriam muito era que eu tivesse um filho, deve estar todo mundo frustrado agora.

Quando você estava solteira, cobravam que tivesse um novo relacionamento?

Queriam muito era que eu tivesse um filho, deve estar todo mundo frustrado agora.

O público que queria ou era sua família?

O público mesmo, minha família me respeitou mais cedo. É muita gente para botar limite. Tem os próximos, a família, depois tem público, tem relacionamento.

A cobrança de ter filhos era constante?

Sempre, inclusive eu sem namorado, a pessoa virava e falava ‘quando é que você vai ter filho?’. Gostei de você falar que eu sou uma pessoa família. Ouvi algumas vezes que não sou porque não tenho filhos, que ‘a gente não pode ter a Paolla numa campanha’, por exemplo, porque eu não sou ‘família’. Daí se vê como o julgamento de valores familiares está muito fechadinho. As pessoas estão preocupadas com coisas que não são realmente importantes. Eu estou o tempo todo com minha família, fiz comerciais com meu pai e minha mãe, falo o tempo todo com meus irmãos. Inclusive eu tive um trabalhão para me livrar daquela macheza toda dentro de casa, já está todo mundo modificado. Não sou mãe, mas tive esse privilégio de conseguir educar os homens à minha volta.

Diogo não questionou meu lugar, nem dentro de casa nem como artista.

Sobre esta criação rígida, do que você teve se libertar para se encontrar profissionalmente?

Eu tinha medo da vida. Medo de tudo. Você entrar em uma profissão que nem sonhou um dia em ter, ser exposta para o Brasil inteiro numa novela do horário nobre, é corajoso. Você tem que desejar muito aquilo e como eu nem imaginava que pudesse acontecer, tive que quebrar ali uma barreira. Mudei de cidade a partir daquele momento. Não precisei brigar com eles, mas precisei ir contra tudo que falavam, que era perigoso, que não ia dar certo, e até que eu tinha que ter outro tipo de sonho, tinha que casar, ter filhos. Foi quebrado um ciclo quando eu desejei fazer a novela e consegui.

Olhando todo esta sua jornada nos últimos anos – a forma como você passou a se mostrar para os outros e seu direito de ser quem é, a se posicionar como mulher, como artista – quais foram os marcos?

A maturidade da idade, que não é uma coisa que se aprende, mas que se vive. O meu trabalho, todos os desafios dele, inclusive a exposição. A volta para o Carnaval, porque quando você sai de uma coisa e resolve voltar, já é uma situação que fala ‘eu quero, eu quero, eu gosto, dane-se o que vão pensar’ por exemplo. E, há dois anos, em novembro, teve um momento específico.

Qual foi?

Queria me colocar de outra maneira para o mundo. Daí eu tive uma ‘crisezinha’. Não falo depressão, mas foi uma parada. Parei, fiquei alguns meses [lidando com a situação] e coloquei um monte de coisa no lugar: o que eu quero para mim, para minha vida, como é que eu quero me comunicar, com quem eu quero falar, o que eu não quero mais fazer. É difícil tirar a muleta.

Em algum momento passou pela minha cabeça que as coisas iam acabar, que 40 anos era o fim da linha.

Você vai completar 43 anos daqui alguns dias. Quando era como mais nova, qual era a sua imagem de uma mulher de 40 anos?

Eu até desfiz isso rápido, mas em algum momento passou pela minha cabeça que as coisas iam acabar, que 40 anos era o fim da linha.

Profissionalmente?

Em todos os sentidos, que ia estar feia. Quantas vezes ouvi ‘ah, você tem 20, vai ver quando fizer 30’, daí virava ‘ah, você tem 30, vai ver quando tiver 40’. Parece uma profecia do desalento, do caos. Eu fui pensando por década, mas nunca adiantei muito a questão. E não é bem como falaram. Que bom que é diferente, que não era isso e que a gente tem que parar de perpetuar essa teoria do caos. Ao contrário, temos viver todo dia para chegar na idade seja qual for bem feliz, olhar para trás e falar ‘maneiro, que bom que eu passei por tudo isso’. Não me arrependo de nada que eu fiz. Tudo que eu fiz, que eu vivi, mesmo as pressões, como é que eu teria chegado até aqui? A outra opção é morrer cedo.

Paolla, você já sente algum tipo de preconceito por causa da sua idade?

Ah, sim. O Carnaval… Você acha que eu podia estar lá com 40 anos?

Eu acho que sim.

Eu também, mas as pessoas não acham. Não todas, mas já ouvi ‘ah, você tem 40, já podia parar’. Todo dia aparece uma coisinha. A velha frase ‘tá ótima para 40’. Que não é elogio, é uma ‘elofensa’ e não sei se as pessoas se dão conta disso.

Quais as suas prioridades hoje?

Conseguir tocar essa vida que eu construí e ainda ter a vida que eu não mostro para todo mundo, que é com a minha família, com namorado, ter algum nível de tranquilidade para viver. Porque a gente vai se tomando de coisas e a hora que vê está massacrado, pelas responsabilidades. O meu desejo hoje é ter tranquilidade.

Se eu tiver que escolher, o copo está sempre meio cheio. Não quer dizer que você não se posiciona, que você é feliz e diz sim o tempo todo, mas é uma maneira de viver.

Você teve uma fase workaholic?

Eu sempre fui muito equilibrada. Nunca deixei minha família, nunca, quem me conhece sabe. Tem tempo para bicho, família, namorado. Eu nunca deixei essa vida [profissional] me tomar e me tirar os afetos. Mas vocês [o público] não viam. Talvez não se precise apenas falar sobre filhos para que as pessoas se identifiquem com outra família. Foi isso que vocês passaram a ver, que eu tinha vida fora do trabalho.

Como você consegue manter sua privacidade sendo uma pessoa pública, tendo uma presença online forte, e se posicionando?

A gente nunca vai saber o tanto desse limite. Às vezes você vai até mais à frente e retorna. Mostro o que quero. O público faz parte de uma vida que eu criei e da qual tenho muito orgulho, e não posso ir contra. Eu sei que há colegas muito mais reservados e respeito.

Em 2021, sua antiga casa pegou fogo. Isso também fez parte de toda esta mudança pela qual você passou?

A perda da casa deve ter me trazido algum nível de reflexão sobre a vida e o que realmente importa. Pensei ‘que bom que eu tenho condições de ir para um outro lugar, de refazer minha vida’, e quem não tem? Eu olhei a situação pelo melhor lado, que eu tinha condições de rever aquilo e como é que eu poderia ser melhor. É muito Poliana? É, mas essa sou eu. É uma maneira de ver a vida.

E você escolhe encarar a vida assim?

Sim. Se eu tiver que escolher, o copo está sempre meio cheio. Não quer dizer que você não se posiciona, que você é feliz e diz sim o tempo todo, mas é uma maneira de viver.

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