O que pode ser feito dos nós que ficaram em nós?

Há tempos não nos flagramos tão vazios e sem sentido. Somos muitos os que pagamos para “descobrir” o nosso “propósito”, e catamos, de lá e de cá, como crianças catam conchinhas na areia, receitas para melhor viver, quando dentro de nós, já não resta sequer uma vida.

Vivemos tempos líquidos, em que nos medimos pela régua do outro.

Falamos em amor, destilando ódio e sarcasmo.

Apontamos o outro para que todos vejam o quanto é mau, porque foi alvo da nossa maldade, manchando, por consequência, nossa boa imagem de pessoa boa!

Saímos da pandemia!

Não estamos mais em perigo, mas algo em nós ficou tão ferido que acabamos por nos perder no espaço do mundo que se fechou para nós, durante o tempo doloroso em que nossos mortos não podiam ser velados, e acumulados, foram se tornando números.

Sem que nos déssemos conta, por questões de sobrevivência, nossa alma, outrora tão calorosa, tornou-se frívola!

“E se eu amar novamente? Como será quando esta pessoa se for?”.

A finitude virou certeza, logo para nós, que sempre fomos fortes e imbatíveis. O nosso Deus de milagres, aquele que nos amparava, passou a carregar alguns de nós e sumiu do alcance do olhar dos outros, deixando a fome que só o abandono é capaz de fazer sentir.

Deixamos de olhar para dentro, e a indústria dos psicotrópicos emergiu enquanto, curiosamente, falar em saúde mental tornou-se não só um tabu, mas algo pueril, “típico de pessoas fracas, sem comprometimento com a vida” – disse –me certa vez um grande amigo meu, perante o qual silenciei ao perceber que sua garganta, cheia de fel, estava abarrotada também de medo! Medo de se ver, de se sentir, de chorar seus mortos, de se tornar vulnerável, de ser imperfeito, igual a mim.

O que foi feito dos nossos mortos nós sabemos, mas o que foi feito dos nós que ficaram em nós quando nos foi retirado o tempo do abraço e da despedida dos grandes amores que vivemos, em razão de algo que não entendemos até os dias de hoje?

Os jornais informam que não corremos mais risco de morte, e o mundo, colorido e atrativo, está finalmente ao nosso alcance, imenso, pulsante, possível! E nossos nós?

Nos encarar no espelho, por mais difícil que seja, pode ser prazeroso.

Hoje pela manhã, acordei, me dirigi ao espelho automaticamente, e pela primeira vez, em muito tempo, me dei conta de que habitam no meu rosto rugas que outrora não existiam!

Nossos choros, nossos risos, nossas vitórias e sobretudo, nossa força, traduzida nos traços que revelam a nossa história.

Nesse momento, em que tanto se faz necessário nos descortinar, enxergarmo-nos sobreviventes e crentes num futuro melhor, é a melhor alternativa que temos, diante dessa vida, doída, doida e divertida, que nos é única.

Somos vidas caras!

Raras!

Somos frutos de dissabores e delícias diversas, num espaço infinito, com todas as ferramentas necessárias para alcançarmos a nossa perfeição!

Caminhemos então!

“Se você voltar sua atenção para as coisas exteriores, para o prazer de qualquer coisa pessoa, esteja certo de que terá arruinado seu propósito de vida. Contente-se, então, em ser sábio; e se você deseja parecer assim para alguém, pareça assim a você mesmo, e isso lhe bastará” – Epíteto.

(*) BÁRBARA LENZA LANA é mãe da Júlia e do Pedro, advogada, professora universitária, pesquisadora em direitos da mulher, mulher.

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