A vida é amarga ou doce? Ela perguntou depois de provar um brigadeiro. Ela mesma respondeu, é doce!
A vida é amarga e doce, respondi, mas só no pensamento. Toda vida leva no seu dentro o amargo, o doce e outras coisas, tudo é inevitável complemento.
Não era momento ainda de falar sobre isso com ela, mas ela descobriria, com o tempo, que há em nós forças que nos impulsionam a viver, e outras a morrer. Energias que nos levam a transcender e outras a não-ser.
Ah, menininha! Existem muitas coisas dentro da gente. Tem muitas coisas no espaço posterior das coisas que vemos. A gente tem a vida toda para encontrá-las – nem se tivéssemos sete vidas!
E não pense que o amargo é sempre amargo ou exclusivamente amargo e o doce é eternamente doce ou puramente doce. É tudo uma confusão num sossego. É tudo muito cantável e muito silêncio. Tira e dá.
A vida é alguma coisa mais que a gente, como a poesia é algo mais que os poetas. Sim, eu sei, menininha, toda comparação diminui o que foi comparado. Mas escrever é sempre incompleto. A vida amarga e doce é assaz genérica para exprimir a autenticidade da vida. Escrever é de uma pobreza evidente.
Por isso componho por riso, brincadeira, por graça. Não sei mesmo se é assim, estou só começando. Guimarães Rosa, que já tinha passado da metade e revelado muita coisa, sempre apontou que as coisas são ocultadas demais.
Ah, menininha! Ainda há a imaginação, a imaginação criante. Esta ajuda a gente a sair, até a sair da gente mesmo. Mas só tem um jeito de sair da gente mesmo, é tomando conta da gente mesmo por dentro.
Ocorre que quando há doce cá dentro, há doce lá fora, e quando há doce cá fora, pode haver doce lá dentro.
É isso menininha, tome o amargo e o doce naturalmente, não estranhe se encontrar os dois na mesma paisagem, já que há montanhas e planícies, florestas e desertos, chuva e sol.
E há uma força muito forte, a sua escolha, e você já disse: é doce!
Emanuel Filartiga é promotor de Justiça em Araputanga