NEILA BARRETO
Em um artigo que publiquei no dia 8 de março intitulado “Mulheres Extraordinárias” em Cuiabá e Mato Grosso, citamos muitas das mulheres responsáveis por alavancar importantes transformações na sociedade mato-grossense ao longo dos séculos. No entanto, é importante registrar que a cada momento descobrimos novos nomes, em um processo constante de construção de conhecimento com a colaboração de pesquisadoras e pessoas atentas a evolução de vários segmentos.
Quero iniciar aqui um panorama da contribuição pioneira feminina na Literatura, Cultura e nas Artes, em Mato Grosso. E ficarei muito grata se puder receber contribuições para ampliar este mosaico.
Na Literatura
Lendo Marli Walker, em “Mulheres silenciadas e vozes esquecidas”, editado pela Carlini e Caniato, encontramos o registro de que a primeira poetisa em Mato Grosso, segundo a autora, foi Elisa Alberto, que teve os seus poemas publicados na então Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, no jornal O Liberal, nos anos de 1874 a 1875, nas edições de números 165 e 174, dessa forma figurando como marco pioneiro na poesia mato-grossense produzida por mulheres.
Também no livro acima citado registramos que a pioneira nas pesquisas sobre a escrita das mulheres em Mato Grosso é a doutora Yasmin Jamil Nadaf, da Academia Mato-Grossense de Letras. Poetisa, escritora e crítica literária, Yasmin é pioneira dos estudos sobre as mulheres que se dedicaram a literatura, nascidas ou residentes em Mato Grosso, e que resultaram no seu livro de estreia “Sob o signo de uma flor”, estudo de A Violeta, publicação do Grêmio Literário Júlia Lopes (1916 a 1950), onde se escreve parte da história feminina no Brasil. Esta obra inaugura ainda as descobertas sobre a vida literária em Mato Grosso no âmbito das universidades brasileiras. Por meio de pesquisa em jornais, revistas e textos na internet, encontramos registros de que Yasmin Nadaf também é pioneira na crítica literária em Mato Grosso.
Maria do Carmo de Mello Rego, nascida no Uruguai em 1840, foi pioneira na literatura de viagens e de memórias. Casada com Francisco Rafael do Mello Rego, presidente da província de Mato Grosso de 16.11.1887 a 16.02.1889, período em que morou em Cuiabá. Escreveu “Lembranças de Matto Grosso” em 1897, um diário autobiográfico onde relata suas memórias da viagem pelo Rio da Prata a Cuiabá e registra cenas do cotidiano da província no final do século XIX. Muito interessada nas questões indígenas, escreveu sobre a índia Rosa Bororo (1895), capturada por uma bandeira punitiva no século XIX. Publicou pela Imprensa Nacional e Arquivo do Museu Nacional um estudo sobre os “Artefactos Indígenas de Mato Grosso” (1889), “com grande contribuição à etnologia indígena dos Nambiquara e Pareci”. Esta mulher viajante do século XIX, escreveu também: “Curupira: lenda cuiabana” (1929) e “Guido” (sem data, que pode ser classificado como romance ou novela), sobre seu filho adotivo, um indígena de Mato Grosso que faleceu ainda criança na cidade do Rio de Janeiro. Mais informações podem ser consultadas no volume 44 das Publicações Avulsas do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
Dunga Rodrigues, destaca-se como primeira cronista do cotidiano. Foi também musicista e escritora. Nascida Maria Benedita Deschamps Rodrigues (Dunga Rodrigues) foi compositora, professora, educadora, pesquisadora, escritora, poetisa, além de exímia pianista. Nasceu em Cuiabá, aos 15 de julho de 1908, filha de Firmo José Rodrigues e Maria Rita Deschamps Rodrigues, neta de Bento José Ribeiro. Os primeiros estudos foram cursados junto ao tradicional Asilo Santa Rita, como aluna externa, e em seguida na Escola Modelo Barão de Melgaço. O Ensino Médio foi realizado no tradicional Liceu Cuiabano. Diplomou-se em piano e harmonia pelo Conservatório Musical de Mato Grosso e pelo Conservatório Brasileiro de Música (RJ), com certificado registrado junto ao Instituto Villa Lobos. Formada contadora pela Escola Técnica de Comércio de Cuiabá. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT), desde 4 de junho de 1977, integrou a Academia Mato-Grossense de Letras, tomando posse no dia 19 de setembro de 1984, tendo ocupado a Cadeira nº 39. Faleceu no dia 8 de janeiro de 2001, aos 93 anos de idade, na cidade litorânea de Santos (SP), lúcida, comunicativa, saudável, bem-humorada, bonita e cheia de vida, um exemplo para os contemporâneos.
Artes Visuais
Por outro lado, nas artes visuais, registramos o pioneirismo de Ignêz Maria Luiza Corrêa da Costa, que nasceu em 1907 em Cuiabá e faleceu em Campo Grande, em 1987. Viveu na capital mato-grossense, no Rio de Janeiro e em Campo Grande, hoje Mato Grosso do Sul, durante o século XX. Como primeira artista plástica de Mato Grosso, ainda não teve o devido reconhecimento e valorização de sua obra, que em grande parte encontra-se em poder de familiares e amigos que com ela conviveram. Neta de Antônio Corrêa da Costa, filha de Pedro Celestino Corrêa da Costa e Corina Novis Corrêa da Costa, é irmã de Fernando Corrêa da Costa. Todos governantes em Mato Grosso desde os tempos da Província. Na então capital federal no Rio de Janeiro, Ignez estudou na Academia Nacional de Belas Artes, tendo como mestre Cândido Portinari, tornando-se sua colaboradora em várias obras, em 1930, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte-MG.
Aline Figueiredo Espíndola nasceu em Corumbá-MS, em 1946, e vive em Cuiabá desde muito jovem. Pelos registros, é a primeira animadora cultural na área das artes e crítica de arte de Mato Grosso, tendo atuado intensamente nessa área desde a década de 1960. Realizou a “Primeira Exposição de Pintura dos Artistas Mato-grossenses” (1966), em Campo Grande (MS), e ali fundou e dirigiu a Associação Mato-Grossense de Artes (AMA, 1967/1972. Em 1971 concluiu o curso de Direito pela Federação Universitária Católica de Mato Grosso. Transferiu-se para Cuiabá, ingressando em 1973 no quadro técnico da UFMT, e, junto a Humberto Espíndola, elabora projeto para a criação do Museu de Arte e de Cultura Popular (1974). Nesse Museu, além da Divisão de Artes Visuais, exerceu o gerenciamento até 1982, e, entre 1985 e 1996, exerceu a função de supervisora. Participou da Implantação da Fundação Cultural de Mato Grosso, em Cuiabá (1975), e ali atuou até 1979, na assessoria de artes plásticas, quando criou o Ateliê Livre, o Salão Jovem Arte Mato-grossense e a Pinacoteca Estadual, todos em 1976. É autora dos livros “Artes Plásticas no Centro-Oeste” (Edições UFMT, 1979), e recebeu por essa publicação o prêmio “Gonzaga Duque”, da Associação Brasileira de Críticos de Arte (Rio de Janeiro, 1980); “Arte Aqui é Mato” (Edições UFMT, 1990); “A Propósito do Boi” (EdUFMT, 1994), pelo qual recebe o Prêmio Alejandro José Cabassa, oferecido pela União Brasileira de Escritores (1996). Publicou o livro “Dalva Maria de Barros – Garimpos da Memória” (Entrelinhas, 2001), recebendo por essa publicação o Prêmio Sérgio Milliet, da Associação Brasileira de Críticos de Arte, em São Paulo (2002). Organizou, juntamente com Humberto Espíndola o “Catálogo MACP: Animação Cultural e Inventário do Acervo do Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT”, indicado ao Prêmio Jabuti (Entrelinhas, 2010). Participa da “Coleção Pensamento Crítico”, vol. 4, organizado pelo professor doutor Laudenir Antônio Gonçalves da UFMT, publicado pela Funarte-Minc (2010). Obteve o Prêmio Mário de Andrade conferido pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), por sua trajetória de Crítica e Animação Cultural, em São Paulo (2013). Em 2014 organizou a coletiva “Percurso” (Magia Propiciatória), realizada no Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT, por ocasião dos seus 40 anos de fundação, mostra essa que reuniu 87 obras de 35 artistas do Estado. Com esta exposição ganha o prêmio de melhor curadoria do ano concedido pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), em São Paulo (2015). Em 2021, além de ter sido considerada Mestre da Cultura Mato-grossense, pelo edital Aldir Blanc, publicou o livro de arte “João Sebastião: Baú Iconográfico (Entrelinhas). Participou de Comissões Organizadoras de diversas coletivas nacionais, a exemplo do Salão Nacional de Artes Plásticas (Rio de Janeiro, 1983/84). Integrou júris de diversos salões nacionais, realizados em quase todos os estados brasileiros. Entre 1985/86 prestou assessoria, “ad doc” na área de artes plásticas, ao Conselho Nacional de pesquisa (CNPQ), em Brasília. Desde 1970 vem ministrando cursos de História da Arte. Vive em Cuiabá.
Maria Regina Curvo Pena (1952-2020) foi a primeira artista visual mato-grossense a realizar duas grandes exposições de arte com a técnica de desenho em aplicativos para tablets com várias séries de gravuras digitais, do início ao fim do processo. Regina nasceu em Cuiabá. Foi artista visual, arte-educadora, poeta e psicóloga. Como artista plástica tem uma extensa obra em suportes tradicionais como pinturas, assemblages, objetos e esculturas, inclusive em grandes dimensões. Ao ser diagnosticada com esclerose múltipla, com limitação de movimentos e impedida de continuar seu trabalho nos suportes convencionais, impôs-se o desafio de aprender a pintar em aplicativo Sketch Book Pro, no iPad, transformando seus dedos em pinceis. Suas duas últimas exposições individuais foram: “Voo Solo”, em 2015, na Galeria Arto (curadoria da coleção de gravuras por Maria Teresa Carrión Carracedo) e “Metamorphosis”, em 2019, no Sesc-Arsenal (curadoria da exposição por Ruth Albernaz).
Políticas públicas de valorização da Arte e da Cultura Mato-grossense – Maria Lygia de Borges Garcia (1927), é amazonense e mudou-se para Cuiabá aos 16 anos. É escritora, autora de peças teatrais e composições musicais, sendo considerada como a grande dama da cultura mato-grossense. Como esposa do então governador Garcia Neto, que governou Mato Grosso de 1975 a 1978, foi pioneira ao preocupar-se de forma estruturada com uma política pública para a cultura mato-grossense, revolucionando o setor, tendo realizado o primeiro Inventário de Cultura Popular Mato-grossense, apresentado em vários fascículos (Tecelagem, Cerâmica, Trançados, Manifestações Folclóricas, Artesanato em Madeira e Artesanato de Alimentos), trabalho que ainda não foi publicado. Segundo nos conta a professora doutora Elizabeth Madureira Siqueira em seu livro de História de Mato Grosso, segunda edição (2017), pela Entrelinhas Editora, durante a sua gestão no governo de Garcia Neto foi criada a Fundação Cultural de Mato Grosso, com a instalação da Biblioteca Estevão de Mendonça e do Ateliê Livre, dirigido por Aline Figueiredo com apoio da artista plástica Dalva de Barros, no Palácio da Instrução, com a instalação dos Museus Histórico e de Paleontologia, realizando em suas instalações a 1ª. Mostra de Artes Plásticas Mato-grossense. No segundo andar do Palácio da Instrução foi instalado um Salão-Auditório para conferências e recitais musicais. Implantou na Prosol o Programa de Apoio ao Artesão e ao Artesanato, com a criação da Casa do Artesão em Cuiabá e nos municípios de Corumbá, Campo Grande, Dourados, Bela Vista, Ponta Porã, Paranaíba, Três Lagoas, Rondonópolis, Poconé, Barra do Garças e Rosário Oeste. Valorizou, divulgou e promoveu as artes, o artesanato, o teatro mato-grossense, especialmente na capital, Cuiabá.
Música e Teatro
Zulmira d´Andrade Canavarros (1895-1961) foi pianista, compositora, musicista, teatróloga, promotora cultural, além de ter sido a primeira mulher a fundar um clube de futebol no Estado e a presidi-lo, o Mixto Esporte Clube, em 20 de maio de 1934. Em 1903, aos oito anos, Zulmira já se apresentava no teatro da Sociedade Dramática Amor à Arte com um teatrinho de bonecos de pano confeccionados pela mãe. Por volta de 1930 foi professora da cadeira de Música, Canto Orfeônico e Trabalhos Manuais do Liceu Cuiabano. Quase todas as noites tocava piano no Cine Parisien, para dar “vida” ao cinema mudo, juntamente com sua orquestra. Fundou o Conservatório Musical de Cuiabá e participou da primeira emissora de rádio da capital, conhecida como Rádio A Voz do Oeste. Grande propulsora da música popular cuiabana, tendo deixado muitas composições. Segundo a pesquisadora Nailza da Costa Barbosa Gomes, em sua tese de doutorado “Federação Mattogrossense pelo progresso feminino: mulheres e emancipação nas três primeiras décadas do século XX em Cuiabá-MT”, “A agremiação feminina de “Teatro Amador”, criada em 1909, por Zulmira Canavarros, foi um importante passo para a criação do Grêmio Literário “Julia Lopes de Almeida”, por meio do qual se daria a circulação da revista “A Violeta”. O pioneirismo da cuiabana Zulmira Canavarros a coloca como uma expoente da história feminina nesta cidade. ”
Fotografia e Cinema
Elza Arauz Coani Perez (1928-2006). Segundo pesquisas de Maria Auxiliadora Freitas, em seu livro “Cuiabá: imagens da cidade. Dos primeiros registros à década de 1960”, publicado pela Entrelinhas Editora, Elza foi a primeira fotógrafa mulher em Cuiabá e no Estado de Mato Grosso. Ela deu continuidade ao trabalho do fotógrafo uruguaio, seu esposo, Arturo Perez, após o seu retorno para o Uruguai. Arturo realizava registro fotográficos urbanos importantes para a capital, ao que Elza deu continuidade. “Fez vários documentários fotográficos para o poder público, que mostram a concretização das mudanças e a destruição de sobrados coloniais, monumentos históricos e praças remodeladas. Fotografou pessoas e famílias.
Maria da Glória Albues Martins é cuiabana. Cineasta, documentarista, roteirista, pedagoga, jornalista, é pioneira no audiovisual e cinema em Mato Grosso, sendo a primeira documentarista mulher no Estado. Conta com extensa filmografia, entre documentários e filmes de Ficção. Foi roteirista e diretora de “O Rei decretou folia” (1981); “Várzea, que te quero Grande” (1981); “Salve Cuiabá” (1982); “A chegada do menino” (1982); “Curral das águas” (1983); “Índio, Gente da Terra” (1983); “Pantanal, Paraíso Perdido (1983); “PS. Glauber, Te vejo em Cuiabá” (1986); “Peito de flores, Coração da resistência” (1988); “Decifra-me ou me Devorarás” (1990); “O canavial” (1990); Zoophonia (1992, codireção); “Programa de Índio” (1994); “Nó-de-Rosas” (2007); “A trama do olhar” (2009); “Marcelo e o violino” (2010); “Manoel Chiquitano Brasileiro (2014); “Itinerário de Cicatrizes” (2022); “Albuesas” (2022). Glória Albues também foi Secretária Municipal de Cultura de Cuiabá (1997-2000); diretora da TV Universidade Canal 2 UFMT e Coordenadora de Implantação da Programação Local (1992-1996); supervisora do Núcleo de Vídeo da UFMT (1989-1991); diretora do Teatro Universitário da UFMT (1985-1989); chefe de Editoria de Cultura e Diretora de Programas Especiais da TV Centro América (1981-1985); chefe de Divisão de Artes Cênicas do Departamento de Cultura da Secretaria Estadual de Educação e Cultura de Mato Grosso (1979-1982); diretora de Projetos de Vídeo para o Conselho Indigenista Missionário CIMI (1980-1982).
Temos tantas mulheres valorosas que precisamos buscar mais e mais. Vou procurar mais. Quem sabe tenho sorte.
NEILA BARRETO – é jornalista, historiadora e escritora e foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e é acadêmica da Academia Mato-grossense de Letras.