O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia, no âmbito da Operação Sordidum, contra 16 investigados por organização criminosa (orcrim), lavagem de dinheiro e uso de documento falso. Atuando há quase uma década, o grupo estruturou-se em um esquema criminoso para lavar dinheiro proveniente do tráfico de drogas, de operações ilegais de câmbio e de outros delitos. A quadrilha atuava em diversos estados brasileiros, especialmente no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia e Paraná, e mantinha contato com uma organização criminosa envolvendo doleiros do Paraguai e com traficantes de países da América Central, como Guatemala e Honduras.
Durante as investigações, a Polícia Federal (PF) encontrou com um dos líderes da orcrim uma tabela com os valores da estrutura de logística utilizada para o transporte internacional de drogas, como a aquisição de aeronaves em nome de “laranjas”, contratação de pilotos, aluguel de pistas de pouso etc. Para se ter uma ideia da movimentação de recursos ilícitos, em uma única “operação”, envolvendo a logística do transporte de cocaína, foram gastos quase R$ 10 milhões. Os demais denunciados pelo MPF são familiares, “laranjas”, doleiros, “funcionários” e pilotos de avião.
Utilizando documento falso, tal líder do grupo abriu empresas, movimentou valores e registrou bens para ocultar a verdadeira origem do dinheiro. Análise dos dados bancários utilizados por ele mostraram uma movimentação de R$ 50 milhões entre os anos de 2015 e 2020. O denunciado chegou ao ponto de providenciar o próprio divórcio para se casar novamente, com a mesma mulher, utilizando o nome falso. Em outro momento, ele ainda compareceu perante a própria Polícia Federal para obter passaporte com a documentação falsa.
Havia ainda um outro grupo de pessoas, chefiado por um segundo líder, o qual também obteve documentos falsos. Ele atuava de forma semelhante ao comparsa, mas nem sempre a dupla operava em conjunto. No entanto, ambos possuíam uma característica comum: a periculosidade. Ao longo da investigação foram encontradas várias conversas em que os denunciados tratavam da compra de armas, possível morte de desafetos, corrupção de agentes públicos, tortura e outros.
Esquema – As investigações apontaram que era comum, entre eles, a compra e venda de imóveis e empréstimos de dinheiro quando o doleiro usado por ambos não tinha disponibilidade financeira. Também utilizando-se de nome falso, lavavam dinheiro do tráfico transnacional de drogas e contavam, para isso, com o apoio de familiares. De acordo com a denúncia, um dos líderes da organização criminosa é detentor de patrimônio considerável no Brasil e no Paraguai decorrente do tráfico de drogas.
Para a inserção de recursos criminosos em atividades lícitas, permitindo a lavagem de capitais, o grupo utilizava empresas de fachada. A Operação Sordidum apontou como sendo as principais empresas duas imobiliárias e uma loja de materiais de construção, cuja movimentação financeira, entre 2015 e 2020, foi de aproximadamente R$ 20 milhões. Os denunciados passaram a adquirir grandes fazendas em municípios como Luciara/MT e São Felix do Xingu/PA.
Mas não somente empresas de fachada faziam esse papel, já que as investigações apontaram que doleiros paraguaios também eram utilizados para a introdução dos recursos ilícitos na economia nacional. Uma quarta empresa, dedicada à compra e venda de veículos e situada em Maringá (PR), também era empregada para o branqueamento de dinheiro, com o diferencial de que o estabelecimento realmente realizava a compra e venda de veículos lícitos de modo paralelo aos veículos ilícitos, mesclando os valores e dificultando seu rastreamento.
Um fato curioso revelado na denúncia é que as aeronaves adquiridas por um dos denunciados eram utilizadas para transportar drogas uma única vez e não mais retornavam do país de destino. Apenas um traslado gerava receita suficiente para desfazer-se do avião, que era destruído para dificultar qualquer tipo de rastreio. Em razão disso, os pilotos do bando voltavam ao Brasil em voos comerciais. A aeronave mais empregada para o transporte consistia no modelo King Air.
Entretanto, nos anos em que ocorreram as investigações, o grupo sofreu algumas perdas. Em julho de 2021, no interior de São Paulo, foram apreendidos 313 kg de cocaína ocultada no teto falso de um caminhão. O transporte da droga foi atribuído a um dos denunciados que prestava o serviço de logística a um outro traficante, preso na Operação Downfall, deflagrada em maio de 2023, e que prendeu 28 pessoas por tráfico internacional de drogas.
De acordo com o MPF, a Operação Sordidum faz conexão com outras operações análogas, como a Prime e a mencionada Downfall, que investigam outras organizações criminosas cujos integrantes, em dado momento, operaram juntos em suas empreitadas criminosas ou fizeram “negócios” entre si. Dessa forma, a atuação de integrantes de uma, especialmente de seus líderes, levaram à investigação de outra. No mês passado, o MPF denunciou 14 pessoas no âmbito da Operação Prime.
Além das penas previstas em lei para os crimes citados na denúncia, o MPF requer que eles sejam condenados ao pagamento de indenização milionária, especialmente os líderes da orcrim, por fazerem recursos criminosos circularem na economia, fragilizando o sistema financeiro. Indo além, requer-se o perdimento de todos os bens móveis e imóveis levantados na operação.