Movimentos da cultura afro em Cuiabá e a luta por reconhecimento

Mirian Graça, Especial para o CN

Cândida Soares da Costa/Arquivo pessoal

O Cuiabá Notícias entrevistou Cândida Soares da Costa, mulher negra, nascida em Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso. Cândida é pesquisadora e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE) e é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ela contou um pouquinho sobre o projeto de extensão que desenvolve na Universidade e o impacto que as pesquisas têm gerado tanto na comunidade acadêmica quanto para a população cuiabana.

Cândida destacou que o pai a ensinou a ter orgulho da própria cor. Desde pequena, já se autodeclarava negra com muito orgulho, respeito e amor. Ela é uma das exceções que cresceu com o sentimento de pertencimento e entendendo sobre a própria dignidade, que não há problema em ser negra e que ela é tão importante quanto uma pessoa branca. O problema está em quem se acha superior ao outro por questões raciais ou sociais.

O Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Relações Raciais e Educação tem oferecido projetos gratuitos para a população cuiabana no Centro Cultural, como aula de capoeira e palestras através de rodas de conversas. O intuito do projeto é fortalecer, dar visibilidade, voz e empoderar a cultura afro na cidade.

“O NEPRE faz parceria com o grupo Quilombo Angola, que desenvolve atividades no Centro Cultural três vezes por semana, na segunda, quarta e sexta-feira. É um espaço aberto para todos que quiserem participar da aula de capoeira”, conta.

A entrevistada destacou que uma de suas pesquisas foi voltada aos livros didáticos das escolas, sobre o preconceito racial que se faz presente, em como eles abordam de forma equivocada e superficial a cultura africana nos livros de ensino. O que mais se fala nas escolas é sobre a escravidão em que muitos africanos foram sujeitados a estar, mas e a cultura?

“As práticas culturais, as invenções e criações que os nossos ancestrais fizeram parece que tudo passa a ser resumido no processo de escravização. Mas que não definem nem os povos que foram submetidos ao processo de escravização e nem aos seus descendentes. É importante que se entenda as diferentes dimensões da presença negra na sociedade brasileira”.

No dia 09 de janeiro de 2002, a  Lei 10.639 incluiu nos livros didáticos a história e cultura afro-brasileira. Já faz 21 anos que essa lei entrou em vigor e é obrigatório falar sobre a cultura afro no ensino fundamental e ensino médio.

“Se hoje o Brasil é considerado esse país tão rico em diversidade, cultura material e imaterial, tão potente, isso se deve ao trabalho da população negra e não é reconhecido”, comentou.

Há quem expõe a própria opinião sobre as questões raciais através da arte, como é o caso da poetisa Midria, que é cientista política e usa da poesia para quebrar tabus sobre questões raciais e sociais.

“Eu tenho um problema, meu ascendente é em Áries. E eu tenho um outro problema, é que eu sou a menina que nasceu sem cor. Pra alguns eu sou “preta”, para outras eu sou Preta, para muitos e muitas eu sou parda. Ainda que eu sempre tenha ouvido por aí que parda é cor de papel e a minha consciência racial quando me chamem de parda fique tão bamba quanto a auto-declaração da artista pop como Anitta quando pratica apropriação cultural”, pontua.

“Eu sou a menina que nasceu sem cor porque eu nasci num país sem memória, com amnésia, que apaga da história todos os seus símbolos de resistência negra, que embranquece a sua população e trajetória a cada brecha, que faz da redenção de Can a sua obra prima, Monalisa da miscigenação. E ódio ao milagre da miscigenação, calcado no estupro das minhas ancestrais, na posse de corpos que nasceram para serem livres, na violação de ventres que nunca deveriam ter deixado de serem nossos. E eu tenho outro problema… pô, eu não sei dar cambalhota e não importa que para alguns eu seja a menina que nasceu sem cor, que falte melanina pra minha pele ser retinta, que os meus traços não sejam tão marcados”, completa.

“O colorismo é uma política de embranquecimento do Estado que por muito tempo fez com que eu odiasse os traços genéticos do meu pai herdados, me odiasse, me mutilasse, meu cabelo alisasse. Meninas pretas não brincam com bonecas pretas, mas faço questão de botar no meu texto que pretas e pretos estão se armando, se amando. Porque me chamam por aí de parda, morena, moreninha, mestiça, mulata, café com leite, marrom bombom… Por muito tempo eu fui a menina que nasceu sem cor, mas um dia gritaram-me: NEGRA. E eu respondi”, finaliza.

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