A produção industrial em Mato Grosso cresceu 8,7% no primeiro bimestre de 2024 ante o mesmo período no ano passado. Tal crescimento é creditado, principalmente, à produção de biocombustíveis, que a cada ano propaga-se e impulsiona não só a economia geral do estado mas, sobretudo, de inúmeros municípios, além de trazer segurança para a produção agrícola.
Para o gerente de produção do Grupo Gravataí, com propriedade em Itiquira, Bento Manoel Ferreira, a industrialização interna significa “estabilidade” de preços e “segurança” para o produtor rural para ele continuar investindo e produzindo.
“Essas indústrias, principalmente as de etanol, elas vieram dar uma força. Vieram facilitar o processo de produção de grãos, porque nós estamos muito longe dos centros consumidores. Isso estava dificultando a nossa competitividade com os outros estados, devido ao custo do frete. A nossa logística é muito ruim”, frisa Bento Manoel.
A propriedade em Itiquira conta com 6,2 mil hectares destinados para a soja e quatro mil para o milho, além de cinco mil hectares ocupados com a pecuária. O local utiliza desde 2014 o diesel S-10 nos equipamentos agrícolas e caminhões. Combustível este, por sinal, que leva biodiesel produzido com a soja colhida na propriedade e comercializada para uma indústria em Rondonópolis.
“É um produto mais limpo, menos poluente. Na verdade, é um subproduto nosso que volta para o nosso consumo. Então, esse processo de subprodutos, de você fazer a verticalização, ele consegue gerar muito mais movimentação dentro do sistema”, salienta Bento Manoel.
O crescimento da produção industrial no estado é visto de forma positiva pela Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (Fiemt). A entidade destaca, que além dos biocombustíveis, a indústria frigorífica é outra mola propulsora dos resultados observados nos últimos anos.
Presidente da Federação, Sílvio Rangel pontua ao Canal Rural Mato Grosso que “o aumento na produção de soja e milho tem sido um fator chave nesse crescimento, pois esses produtos são matérias-primas essenciais para a produção de biocombustíveis, bem como servem para a fabricação de ração animal”.
Ainda de acordo com Sílvio Rangel, a ampliação da produção de biocombustíveis não só reflete a expansão das indústrias voltadas para esse setor, mas também tem impactos significativos na economia dos municípios e do estado como um todo.
“Isso se traduz na implantação de novas unidades fabris, mais geração de emprego e renda, além do aumento na arrecadação de impostos e impulsiona indiretamente outros setores econômicos, como o agrícola, o da logística e o de serviços, contribuindo para o desenvolvimento econômico geral do estado. É o que chamamos de encadeamento ou ligação entre os setores do agro, passando pela indústria, até o comércio”.
Gerente executivo de relações institucionais e governamentais da Rumo Logística, Rodrigo Verardino Stefani, conta que no terminal ferroviário de Rondonópolis, inaugurado em 2013, quando se fala em operação de combustíveis há dois principais fluxos. O de derivados de petróleo (diesel e gasolina) origem refinaria (Paulínia/SP) sentido Mato Grosso e o fluxo de biocombustível (biodiesel e etanol) origem Mato Grosso destino refinaria, para que sejam misturados na gasolina e no diesel.
Com o crescimento da produção no estado de tais biocombustíveis, o terminal de Rondonópolis observou uma mudança, uma inversão, no que chamam de fluxo principal ou fluxo de retorno.
“Há cinco anos o volume de derivados de petróleo que vinha para Mato Grosso era muito maior. Hoje é ao contrário”.
Na avaliação de Rodrigo Verardino, esse crescimento do envio de biocombustíveis do estado para a refinaria é decorrente tanto da demanda quanto do número de indústrias.
“Está gerando um melhor aproveitamento do ativo, porque pensando tanto em vagão tanque quanto em caminhão tanque, esse desequilíbrio entre oferta e demanda gerava sempre uma perna dessa logística vazia. Na hora em que você começa equilibrar esse volume, você passa a ter o vagão andando cheio o tempo todo ou o caminhão”, salienta à reportagem.
Brasil rumo à mobilidade sustentável
O Brasil a cada dia que passa vê a sua produção de biodiesel e etanol, principalmente de milho, ser ampliada e avançar em direção à mobilidade sustentável.
Tal avanço, conforme o Sindicato das Indústrias de Biodiesel de Mato Grosso (Sindibio-MT), reflete do compromisso crescente com fontes de energia mais limpas e renováveis, alinhado com metas de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de gases de efeito estufa.
“Vemos esse avanço como uma oportunidade para o Brasil se posicionar como líder na mobilidade sustentável, ao mesmo tempo em que contribui para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas e promove o desenvolvimento social e econômico sustentável do estado”, diz o presidente do Sindibio-MT, Rômulo Morandin.
A transição energética global, ressalta a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), terá diversas alternativas de fontes, sendo o etanol de cereais uma opção energética com capacidade de mitigar até 82% dos gases de efeito estufa gerados pelo consumo de combustíveis fósseis.
“Com a tecnologia adaptada de motores flex, juntamente com uma rede consolidada de
abastecimento em todo o país, o etanol de cereais vem se consolidando como opção acessível, disponível e limpa, contribuindo para a transição energética e para a segurança alimentar. O milho é aproveitado integralmente, gerando energia e alimento para a nutrição animal e humana”, salienta o presidente da Unem, Guilherme Nolasco.
O presidente da Unem frisa ainda que a demanda por combustíveis sustentáveis e as políticas públicas de estímulo à transição energética vêm impulsionando os investimentos no setor de mobilidade, tanto urbana, quanto no setor de aviação e navegação.
“Paralelamente, a iniciativa privada também vem desenvolvendo tecnologias e pesquisas para oferecer fontes cada vez mais limpas de energia e, o setor de etanol de cereais está inserido nestas pautas, tanto com apoio em pesquisas, quanto no desenvolvimento de biocombustíveis cada vez mais sustentáveis. Empresas globais do setor automotivo estão apostando em tecnologias e modelos que aproveitem o potencial de descarbonização dos biocombustíveis ao mesmo tempo que promovem a eletrificação dos veículos”.
Mato Grosso caminha para a liderança
Na safra 2023/24 de etanol (cana e milho) Mato Grosso foi o segundo maior produtor do biocombustível, ao bater o recorde de 5,72 bilhões de litros. O volume representa um aumento de 32% em relação ao período anterior (4,34 bilhões de litros).
Celeiro da produção de grãos e proteína vermelha, o estado, na avaliação do diretor-executivo do Bioind-MT (Indústrias de Bioenergia de Mato Grosso), Giuseppe Lobo, no sentido da verticalização, “precisa passar a ser o supermercado e o posto de combustível do Brasil”.
“É nesta toada que o etanol conquista esse espaço. [Um volume de] 5,7 bilhões de litros
obviamente é muito mais do que o próprio mercado interno de Mato Grosso consome. É uma população relativamente pequena e esse etanol, certamente, vai ser distribuído para todo o Brasil”, disse Giuseppe em entrevista ao programa Estúdio Rural, do Canal Rural Mato Grosso, no dia 27 de abril.
Ao se olhar os números do etanol de milho, Mato Grosso lidera a produção do biocombustível.
Para a safra 2024/25 a previsão é que no Brasil sejam produzidos 7,7 bilhões de litros de etanol de milho, segundo as projeções do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). O volume representa uma alta de 22% em comparação à safra passada. Em Mato Grosso, a produção deverá alcançar 5,2 bilhões de litros.
Atualmente, há 22 usinas em operação no país, sendo 11 no estado, das quais seis são full (totalmente dedicadas à produção de etanol de cereais). De acordo com a Unem, o estado conta ainda com cinco unidades com autorização para construção. No país, são dez unidades.
Do total de etanol de milho produzido em Mato Grosso, 70% é enviado para outros estados.No que tange ao biodiesel, em 2023 Mato Grosso produziu pouco mais de 1,483 bilhão de litros, o equivalente a 20,21% do total produzido no Brasil de 7,340 bilhões de litros. O estado foi o segundo maior produtor.
Conforme dados do Sindibio-MT, o estado possui hoje 18 usinas com autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), das quais 17 já instaladas e uma em fase de estudo. A capacidade autorizada de produção é de 3,5 bilhões de litros, o que torna o estado o maior do país em capacidade instalada. No Brasil são 59 usinas produtoras com autorização da ANP.
“Mato Grosso teve 23,61% de aumento da produção de 2022 para 2023, o que nos leva a naturalmente calcular que para 2024 teremos uma alta ainda maior, já que o CNPE autorizou a elevação da mistura de biodiesel ao óleo diesel fóssil de 12% para 14%”, destaca o presidente do Sindibio-MT.
Rômulo Morandin destaca ainda, ao Canal Rural Mato Grosso, que “o programa ‘Combustível do Futuro’, que estabelece medidas para estimular a produção e o consumo de biocombustíveis no Brasil, é uma medida que impulsionará a produção de biodiesel, o que consequentemente acarretará geração de emprego, renda e investimentos, desenvolvimento econômico, além de contribuir para o desenvolvimento sustentável do país”.
Mais que veículos, biocombustíveis movem sustentabilidade
Muito mais do que os veículos, a produção de biocombustíveis movimenta toda uma cadeia circular, gerando uma sustentabilidade econômica para os municípios aos quais as empresas estão situadas, além do estado.
A escolha das localizações para a construção de uma usina, seja etanol de milho ou biodiesel, explicam as entidades e as empresas, se deve por dois fatores: proximidade da produção de grãos e a logística.
As seis usinas de etanol de milho full, por exemplo, estão localizadas em municípios de maior produção do cereal em Mato Grosso: Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Nova Marilândia e Primavera do Leste. Já as que possuem autorização para construção estão em Vera, Campo Novo do Parecis, Ipiranga do Norte, Sorriso e Tabaporã.
Na produção de etanol de milho a estimativa é que para cada emprego dentro da indústria, pontua a Unem, outros 13 são gerados ao longo da cadeia produtiva.
As indústrias de biodiesel estão situadas em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Campo
Verde, Barra do Bugres, Nova Marilândia, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Vera, Feliz Natal e Alto Araguaia.
Quanto a geração de empregos, a produção de biodiesel, apontam dados do Imea, é a que mais gera emprego na forma direta, indireta e induzida no estado. São cerca de 1,2 mil empregos diretos. E, para cada direto são gerados 90 indiretos e mais 200 induzidos em toda a cadeia de valor do setor.
Rondonópolis, de acordo com o Sindibio-MT, é o município com o maior número de plantas de biodiesel instaladas. São quatro: Aliança, Caibiense, COFCO e ADM.
“Naturalmente que a soja sendo a principal matéria-prima para a produção de biodiesel, com aproximadamente 76% do total desta produção advindo do óleo de soja, a instalação em determinadas cidades é estratégica”, afirma o presidente do Sindibio-MT.
A COFCO está presente em Mato Grosso, desde 2013, com a produção de farelo de soja, óleo de soja e biodiesel, todas anexas ao terminal ferroviário de Rondonópolis. Conforme a empresa, sua capacidade produtiva anual de biodiesel é de 432 milhões de litros hoje, mas há projeção de ampliar nos próximos anos, pensando no crescimento da mistura e demanda do biocombustível.
“A Companhia está em constante avaliação das oportunidades e necessidades do mercado para adequar sua produção ou aumento da demanda. A implantação ocorreu de forma estratégica na região por ser um dos principais fluxos logísticos do país, aproveitando o modal ferroviário para movimento dos produtos, além de ser também uma região referência na produção de grãos, em Mato Grosso. O objetivo era ter uma unidade próxima à matéria-prima, com isso, resultando na melhor logística para originação da soja”, conta o diretor comercial da COFCO Internacional, Guilherme de Castro Achcar.
Em relação a capacidade de esmagamento de grãos da COFCO em Rondonópolis está é de 4.500 toneladas/dia. Deste esmagamento se produz 3.150 toneladas/dia de farelo de soja e 900 toneladas de óleo de soja/dia.
Ao todo a empresa gera em Mato Grosso 1.198 empregos diretos e aproximadamente quatro mil indiretos. Apenas na fábrica de esmagamento e planta de biodiesel em Rondonópolis são 249 empregos diretos e mais 900 indiretos.
Presente em toda a cadeia de valor, desde a originação de grãos até o consumidor final, a ADM está presente há mais de 25 anos no Brasil. A Companhia destaca, inclusive, que as operações em Mato Grosso começaram no mesmo período, sendo em Primavera do Leste na área de nutrição animal, enquanto em Rondonópolis operam as unidades de esmagamento de soja, refino e envase de óleo, bem como biodiesel.
Marcos Dalla Rosa, gerente comercial biodiesel da ADM, conta ao Canal Rural Mato Grosso que as operações com o biocombustível em Rondonópolis começaram em 2007.
“A unidade fabril da ADM em Rondonópolis é considerada a maior planta de esmagamento de soja no Brasil. A ADM está presente não apenas em Rondonópolis [com biodiesel], mas também em Joaçaba (SC). Temos capacidade total autorizada para produzir mais de 670,3 milhões de litros de biodiesel por ano, sendo 486,7 milhões de litros na planta de Rondonópolis”.
Em Mato Grosso, a ADM revela que gera 1.221 empregos diretamente. Considerando as demais empresas da Companhia, como a área de logística, são 1.320 empregos. Na produção de biodiesel, incluindo colaboradores da fábrica, são 28 empregos diretos.
Vantagens para a sociedade e o produtor
A agroindustrialização da soja e do milho, no caso da transformação em biocombustível, é vista como algo vantajoso tanto para a sociedade quanto para o produtor rural.
“A agroindustrialização ela faz com que se consiga represar mais esse produto aqui dentro do estado. Esse produto não sai de uma vez. E, as empresas, claro, para elas produzirem, elas se obrigam a comprar e isso aumenta a concorrência pela busca do produto”, frisa o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Lucas Costa Beber.
Para os produtores o aumento da produção dos biocombustíveis significa, como já dito, uma segurança à mais na hora da venda, bem como de preço e possibilidade de continuar investindo na produção.
Prova disso, é o próprio milho que de cultura complementar em segunda safra, passou a ser destaque no caixa do produtor, vindo desde a safra 2021/22 ultrapassando a produção de soja.
“Dobramos a produção de milho no estado em poucos anos e isso, em parte, pelos preços e a agroindústria aqui dentro. Tanto a produção de biocombustíveis como a produção de carne tem sido um grande fator que tem estimulado. É a produção de milho, de soja circulando dentro do próprio estado, aumentando a demanda, gerando emprego e os subprodutos, que são importantíssimos. A própria energia elétrica, as usinas tem esse excedente e vendem”, salienta Lucas Beber.
Apesar dos desafios logísticos que Mato Grosso enfrenta e imbróglios políticos e ambientais, à exemplo da Moratória da Soja, sua posição de destaque como maior produtor de soja e milho do país lhe confere uma vantagem competitiva inegável.
Especialistas afirmam que a melhoria na infraestrutura logística ferroviária não apenas reduzirá os custos de transporte, mas também abrirá novas oportunidades para investimentos em agroindústrias. Dessa forma, pontuam as indústrias, é razoável esperar que o setor do biodiesel e etanol também se beneficiem desse desenvolvimento, impulsionando ainda mais a produção e a economia local e regional.
Canal Rural Mato Grosso.