Falar de improviso

GABRIEL NOVIS NEVES

Comecei a improvisar depois de alguns anos no exercício de cargos públicos

Taí algo um tanto difícil. Comecei a improvisar depois de vivenciar alguns anos no exercício de cargos públicos.

Secretário de Educação, era do meu feitio solicitar aos colegas de gabinete que pusessem no papel meus pronunciamentos de colação de grau do ensino fundamental e médio (1968-1970).

Nesse entremeio, nem de longe sonhava com a pioneira UFMT.

Na esfera da universidade, já principiei a falar de improviso em reuniões e congressos. Então, participava da elaboração do discurso de colação de grau unificado.

O meu primeiro discurso — como esquecê-lo —, eu o fiz saudando o ‘Superior dos Salesianos’ em 1946, no antigo Colégio dos Padres.

Veio já ao estilo, e eu fui escolhido pelo Padre Pedro Cometti para pronunciá-lo.

Debutava — nem sei se o verbo se faz apropriado — como orador.

Já me conhecia de outros carnavais: mal conseguia ler o que estava escrito em uma folha de caderno.

Conclusão: saí muito mal da empreitada. Daí por diante, nunca mais fui lembrado por nosso conselheiro, padre Cometti.

Essa uma das razões por que elegi a medicina: não haveria de exigir de mim pendores de orador. Sim, falar em público me fazia suar em bicas.

Na Universidade, fui forçado a aprender, tamanhas eram as solicitações.

Imagine se não! Era função do reitor apresentar conferencistas, professores, ministros, até presidentes.

No entanto, somente fui ‘perder a vergonha’ para me dirigir às multidões durante as campanhas políticas em Mato Grosso, quando delas participei.

Num mesmo dia, cheguei a visitar três cidades deste Estado amazônico. Não havia como não me expor.

Discursar em três cidades diferentes exigia de mim que, diante de um público diferenciado, me pudesse a aventurar, buscando temas também diferentes. Cada qual com sua realidade própria.

Não escondo: era muito tímido. Para nocautear esse sentimento de impotência, nosso colega Edson de Souza Miranda me receitou — do alto de sua perícia médica — a tomar gengibre que ele levava para o palanque.

Em tempo: Édson Miranda era economista de formação, mas driblava um pouco nas outras áreas. Como deixou saudades!

Ficou-me a impressão que o gengibre ‘me destravou’. Desde aí, andei a falar com segurança cada vez melhor.

Até ouso a afirmar — sem laivos de arrogância — que acabei virando doutor nesse quesito.

O embaixador Roberto Campos, recém-chegado de Londres, na carroceria dos caminhões ‘showmícios’ que compartilhamos, pediu para experimentar a ‘bebida’. Tendo aprovado, passou a fazer uso dela, discursando em inglês.

Àquela época, tinha ele esquecido o português de sua querida Livramento.

Nos dias que correm, tão só escrevo. De raro em raro, faço pronunciamentos de improviso.

Nas vezes em que a necessidade se apresentou, num segundo momento, ao ouvir a gravação, sempre acho que tenho caminho a melhorar.

Ora porque me esqueci de pontuar um ou outro fato que merecesse relevo, ora porque o pronunciamento pudesse, mais elegante, enfeitiçar minha plateia.

O tempo vai de escoando, mas minhas cobranças não envelhecem. Vem a calhar o dito popular: ‘pau que nasce torto, morre torto’.

É o meu preciosismo, sempre a me maltratar.

Por que sou assim?

Gabriel Novis Neves – é médico e ex-reitor da UFMT.

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