Basta uma crise…

ROSANA LEITE

A frase de Simone de Beauvoir ecoa, soando a nos mostrar o quão vulneráveis são as mulheres. “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”

A chuva que causou enchentes no final de abril e início de maio do corrente ano em diversos lugares no Rio Grande do Sul, vem causando mortes e deixando pessoas desabrigadas. O Brasil se uniu em solidariedade, com a finalidade de trazer dias melhores para essa população.  Todavia, a violência contra as mulheres assola a humanidade e emerge, primordialmente, em situações onde anormalidades são visíveis. Não foi diferente nos períodos pandêmicos atravessados pela humanidade, tal como a pandemia da Covid-19.

Enquanto a população gaúcha vem sendo amparada, as mulheres sentem a violência de gênero. Locais de abrigamento, no Rio Grande do Sul, segundo narrou a mídia, que deveriam se perfazer em ambientes seguros para elas, se tornaram espaços perigosos para meninas e mulheres. Denúncias de abuso e agressão estão sendo frequentes por lá, e se tornando ainda mais alarmante e potencializadas com as múltiplas desigualdades que se combinam e afetam de forma diferenciada as mulheres.  

O corpo das mulheres se revela um lugar de feridas a penetrar e lacerar a pele e a alma, adquirindo materialidade a causar dor imensurável. É preciso considerar que a condição de ser mulher as coloca em situação de risco, física e psicologicamente. 

Na tragédia instalada, quatro homens foram detidos por terem cometido abusos sexuais nos espaços onde as mulheres estão sendo acolhidas.  É de se ressaltar que essas vítimas eram pessoas conhecidas dos seus agressores e tinham parentesco com eles. A situação fica pior para as mulheres negras, indígenas, quilombolas, idosas, LGBTQIAPN+. 

Fica visível que o cuidado também recai, na maioria das vezes, para as mulheres, as sobrecarregando com a obrigação. Mesmo durante o resgate, com atividades de salvamento e situações de ferimento e quase-morte, as mulheres não estão sendo polpadas de abusos sexuais. São elas, também, as responsáveis por dispensarem todo cuidado aos filhos e filhas, buscando a reconstrução da vida segura e com dignidade.

Assim, na tragédia do Sul do país, além de todo cuidado com o salvamento de pessoas, que vivenciaram traumas por perderem entes queridos e bens, há necessidade de vigilância para que mulheres não passem por outras violações.

Em meio ao caos, organizações se uniram para que um protocolo diferenciado de proteção a mulheres e crianças fosse criado, atendendo à emergência climática. Com a adoção do citado protocolo, nos resgates, nos salvamentos e nos abrigamentos, medidas de proteção às mulheres serão tomadas. Locais onde estiverem mulheres contarão com voluntariado feminino. Em caso de identificação de situações de abuso, os envolvidos deverão ser imediatamente expulsos e encaminhados para as autoridades competentes.

Marina Ganzarolli, presidenta e fundadora do Me Too Brasil fez o alerta: “A violência sexual não acontece em razão da catástrofe, a violência acontece em razão da estrutura patriarcal e do fácil acesso de agressores e predadores sexuais às vítimas em situação de extrema vulnerabilidade.”     

ROSANA LEITE ANTUNES DE BARROS – é defensora pública estadual e mestra em Sociologia pela UFMT.

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