O Grupo de Apoio Supermães, associação de mulheres e mães de Cuiabá, fez uma carta aberta para tornar conhecidos os casos de mães que estão enfrentando dificuldades em relação à educação inclusiva em instituições educacionais na baixada cuiabana.
Segundo a nota, as escolas têm negado vagas a alunos com necessidades especiais.
A equipe do Cuiabá Notícias conversou com algumas mães que encontraram empecilhos para matricular os filhos em unidades de ensino na capital, sendo particulares e/ou públicas.
Erika Woitovicz, mãe de Júlia, de 12 anos, que é dislexa, contou à reportagem que teve dificuldades em três instituições de ensino da rede particular, duas em Cuiabá e uma em Várzea Grande.
O sonho era matricular a filha no Coração de Jesus, procurou o colégio, foi muito bem tratada pela equipe, até que revelou que a filha tem dislexia: ” Tudo mudou… a vaga sumiu’’, disse. Como justificativa, a unidade de ensino disse à mãe que ‘’a cota para crianças com dificuldades estava preenchida’’ e que Júlia entraria para uma lista de espera até uma vaga surgir.
No ano passado, Erika também procurou a Escola Adventista de Várzea Grande. Inicialmente encantada com a prestatividade dos funcionários, ela chegou a conhecer as instalações da unidade, até que recebeu uma ficha questionando detalhes da criança. Assim que preencheu, foi informada que não tinha mais vagas para crianças com dislexia. Ao confrontá-los, a coordenadoria pedagógica pediu um novo encontro com Erika, somente para reforçar que não havia como matricular a criança.
A sua última tentativa foi no colégio Adventista do Porto: ‘’De cara ela já perguntou se a criança tinha alguma dificuldade. Ela disse que tinha vaga, mas não tinha vaga para crianças com dificuldade’’, contou.
Foi então que Erika fez um post em sua rede social contando o caso, e recebeu diversos relatos de outras mães que também passaram pela mesma dificuldade. “A minha sede é de que isso não aconteça mais com nenhuma mãe. A gente não pode passar por isso. As mães já têm crianças com dificuldades, com necessidades especiais, já passamos por tantos desafios, e ainda ter que ir numa escola e ter sua matrícula negada’’, desabafou.
Para buscar ajuda fez uma denúncia no Ministério Público do Estado sobre o caso usando como base em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do poder público que requer a suspensão dos efeitos de parte do artigo 13 da Resolução 01/2012 do Conselho Estadual de Educação (CEE), que limita o número de vagas, por turma, ofertadas no ensino regular aos alunos com necessidades educacionais especiais.
A presidente da Associação de Amigos do Autista de MT (AMA-MT), e mãe da Analice, de 11 anos, contou ao Cuiabá Notícias que em 2022, procurou uma escola particular na região do Osmar Cabral e obteve a recusa no momento da matrícula, e foi aconselhada a procurar uma escola municipal para receber a menina, diagnosticada com autismo.
‘’Deveria ter denunciado, mas não fiz nada. Porque a gente fica tão cansada de levar tanta porta na cara, que a gente fica pensando “eu vou expor o meu filho pra quê?”, explicou.
Essa situação também aconteceu com a jornalista Luciana Cury. Ela contou que foi em três escolas particulares de Cuiabá, inclusive, em uma unidade em que um dos filhos já estuda. Em seu relato, ela afirma que nas três procuras, foi recebida com desdém.
‘’Fui em 3 escolas privadas, inclusive na que meu filho de 9 anos já estuda, nas 3 houve desdém. Me recebiam, demonstravam ‘interesse’, mas no final não mandavam os documentos pra eu confirmar a matrícula’’, disse. As instituições de ensino nas quais cita, localizam-se no Jardim Itália, Bosque da Saúde e Avenida do CPA.
Mãe de Maria, que tem atraso cognitivo e de linguagem, Luciana admitiu que sentiu na pele o preconceito, mesmo de que forma velada: ‘’Eu fiquei muito chateada porque me deparei veladamente com o preconceito. As escolas privadas já está orientadas a não formalizarem um não… pra evitar processo elas ‘barrigam’ a situação…. Vão cansando a pessoa’’, contou.
O problema de falta de vagas também acontece na rede pública e é muito recorrente nas unidades de Cuiabá. Yasmin Oliveira, mãe de uma criança de 2 anos e 7 meses, diagnosticada com autismo, relatou que ficou na fila de espera por oito meses, até finalmente conseguir a vaga em uma creche no Parque Georgia, região do Coxipó.
‘’Meu filho estuda em creche. Ele ficou numa fila de espera por 8 meses pra ser chamado na creche em que ele está hoje. Foi feita uma avaliação pela prefeitura para mandarem uma CAD (Cuidador de Aluno com Deficiência), mas segundo a instituição, ele não necessita de uma no momento’’, explicou.
A psicóloga Thereza Erika Sousa Lopes afirma que a falta de vagas e de profissionais para atender as crianças com necessidades especiais é um problema que acomete o estado há muito tempo. A profissional ressaltou a importância do convívio em ambiente escolar.
‘’Ela [a criança] precisa ir à escola, precisa frequentar outros grupos de socialização. A escola é um espaço mediador, um espaço importante e prioritário para que a criança com deficiência se desenvolva como, por exemplo, a questão motora, aspectos sociais, aspectos afetivos’’, disse.
Thereza destaca sobre a privação das vagas para as crianças, e lembrou que muitas mães buscam para os filhos que estão em situação de vulnerabilidade.
“Muitas vezes as mães se encontram em situações de vulnerabilidade e o sistema educacional vulnerabiliza ainda mais. Então, é fundamental essas crianças na escola, e que essa inclusão não passe por essa interrupção no processo de ingresso inicial. É preciso que essas crianças sintam acolhidas em suas comunidades. A escola é um espaço um lugar crucial para essa experiência de cidadania’’, pontua.
O Cuiabá Notícias entrou em contato com a direção pedagógica do Colégio Coração de Jesus, que não quis se pronunciar sobre o caso. Também não conseguimos respostas das escolas Adventistas do Porto e Várzea Grande até o fechamento da matéria.
A Secretaria de Educação de Cuiabá também foi procurada, porém não houve nenhum posicionamento.