A união de forças entre o governo Lula (PT) e o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) nas ações de recuperação do litoral norte de São Paulo após as fortes chuvas do final de semana foi exaltada por ambos, em mais um sinal de aproximação entre os opositores políticos, e se tornou um contraponto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A atuação conjunta foi especialmente ressaltada por Lula em seu discurso nesta segunda-feira (20), em São Sebastião (SP), e vem sendo explorada por políticos de esquerda como um símbolo de que o governo do petista representa a volta da normalidade institucional e das atitudes republicanas –o que faltou na gestão anterior. Já aliados de Bolsonaro veem o movimento com desconfiança.
O presidente interrompeu o descanso de Carnaval na Bahia e foi a São Sebastião, onde participou de reunião e pronunciamento ao lado de Tarcísio, do prefeito Felipe Augusto (PSDB) e de ministros e outras autoridades. O governador, por sua vez, já havia se deslocado para o litoral no domingo (19). Até agora, são 40 mortos e 2.400 pessoas fora de casa.
De imediato, aliados de Lula passaram a relembrar situação semelhante, em dezembro de 2021, quando o então presidente Bolsonaro disse que esperava não ter que retornar antes da viagem a Santa Catarina e manteve sua rotina de passeios de jet ski mesmo enquanto a Bahia, então governada pelo petista Rui Costa, enfrentava uma crise gerada por fortes chuvas.
“Essa parceria que estamos fazendo é uma fotografia boa para o nosso país”, disse Lula, puxando para seu lado Tarcísio e Augusto.
Questionado pela Folha, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) disse que a união mostra “total solidariedade às famílias vítimas”.
“Mostra um novo tempo no Brasil, de união e construção. É um gesto importante do governo federal para São Paulo, que fortalece a democracia e a federação. É um exemplo de que a política não deve ser feita de sectarismo, mas de amor ao próximo”, completou.
Nesta segunda, Lula iniciou sua fala dizendo querer mostrar “uma cena que há muito tempo vocês não viam no Brasil”. “Um governador, um presidente e um prefeito sentados numa mesa ou na frente do microfone em função de uma coisa comum, que atinge a todos nós.”
Ele seguiu no tom que adotou em sua campanha, exaltando a democracia e a frente ampla, em oposição a Bolsonaro.
“É uma demonstração específica de que é possível exercer a nossa função na democracia mesmo quando a gente pertence a partidos diferentes e pensa diferente ideologicamente. O bem comum do povo é muito mais importante do que qualquer divergência que a gente possa ter.”
“Eu não sei de que partido é o prefeito, eu sei em que partido Tarcísio disputou as eleições, vocês sabem em que partido eu disputei as eleições e veja que coisa bonita e simples: nós estamos juntos. Acabou a eleição”, completou.
Enquanto Lula discursava, Tarcísio acenava com a cabeça em sinal de concordância e chegou a sorrir. O governador aliado de Bolsonaro também enalteceu a união com o petista –sem deixar de fazer acenos aos militares em sua fala.
Tarcísio agradeceu a presença de Lula e disse que “isso nos dá amparo, nos dá conforto no momento em que a gente precisa trabalhar em um regime de cooperação”.
Houve, contudo, uma alfinetada de Lula a Bolsonaro diante do ex-ministro quando o presidente afirmou que o governo anterior não deixou verbas para esse tipo de emergência.
“Nós tivemos sorte, porque na PEC [da transição] nós colocamos dinheiro para a Defesa Civil, que não tinha”, disse Lula, dando um tapinha no braço de Tarcísio.
O episódio simbólico se soma a outros capítulos de aproximação entre Tarcísio e Lula e de descolamento do governador em relação a Bolsonaro. Tarcísio esteve em três encontros com o presidente em Brasília, inclusive em solidariedade após o 8 de janeiro, e chegou a dizer que ele e Lula são “sócios”.
Ao mesmo tempo, Tarcísio abraçou no seu primeiro mês temas demonizados pelo bolsonarismo, como a defesa de uma agenda verde no estado, e buscou um distanciamento do ex-chefe, dizendo por exemplo que nunca foi bolsonarista raiz.
Por isso, deputados bolsonaristas se incomodaram nos bastidores com a fotografia de união desta segunda. Eles enxergam um movimento planejado com a intenção de opor Lula e Bolsonaro e diferenciar Tarcísio do ex-presidente, pintando o petista e o governador como estadistas e equilibrados.
Aliados de Bolsonaro também questionam a efetividade do governo federal.
“Lula é bom de discurso, mas na prática é Tarcísio que está empenhado em resolver os problemas. Estive ontem na região e falei com o governador, Lula estava pulando Carnaval”, disse o deputado estadual Gil Diniz (PL) à Folha.
“Mas [Lula] será bem-vindo se quiser ajudar a resolver o caos. Porém, até aqui, falou mais e fez menos”, completou.
O presidente do Republicanos, deputado federal Marcos Pereira (SP), afirmou à reportagem que Lula e Tarcísio fizeram “o que tem que ser feito, com o povo em primeiro lugar”.
Mesmo na direita, portanto, houve falas de aprovação. “Não existe cor partidária nestes momentos, pois esta é uma de nossas funções como homem público, ajudar ao próximo”, disse à Folha o líder do PL na Assembleia paulista, Ricardo Madalena.
Entre os aliados de Lula, o discurso do presidente deu a senha para que a comparação com Bolsonaro fosse explicitada. “É um evidente contraste com o período anterior”, disse o ministro Márcio França (PSB) à reportagem. “Lula reforça a importância da democracia e diz que questões políticas não podem estar acima do interesse da população”, tuitou o senador Humberto Costa (PT-PE).
“Aproveito para saudar a sensibilidade e a atitude republicana do presidente Lula, que se deslocou para a cidade de São Sebastião junto com vários ministros. Isso é civilidade! Um presidente que tem compaixão com a dor do outro e tem compromisso com seu povo”, escreveu a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT).
Nas redes, a união dos entes da federação foi especificamente elogiada por diversos petistas do estado, como Emidio de Souza, Edinho Silva, Alexandre Padilha, além de José Guimarães (CE) e da primeira-dama Janja.
“Governo federal e governador Tarcísio trabalhando em perfeita sintonia e harmonia em benefício da população. Novos tempos no Brasil”, publicou o ex-bolsonarista Junior Bozzella (União Brasil-SP).
“Cooperação entre os entes federativos. Priorizar a população oferecendo solidariedade e solução. Tudo que o Bolsonaro não fez na pandemia”, completou o deputado federal.
Pelo Twitter, Alexandre Frota (Pros) e Antonio Neto (PDT) também celebraram a parceria entre Lula, Tarcísio e Augusto.
FolhaPress