Da vida, algum propósito?

 GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO 

O sofrimento humano, em sua multiplicidade de formas, é um tema central na filosofia, psicologia e literatura. Entre os vários tipos de sofrimento, aquele causado pela falta de propósito na vida é particularmente devastador. A ausência de um sentido ou direção pode levar a uma sensação de vazio existencial, uma condição que filósofos como Friedrich Nietzsche e Kierkegaard abordaram extensivamente.

Nietzsche, com sua declaração de que “Deus está morto”, expôs a crise de valores do Ocidente. Ele argumentava que, sem uma base transcendente para o sentido da vida, os indivíduos são lançados em um mundo onde precisam criar seus próprios significados. A ausência de um propósito dado resulta, segundo Nietzsche, no niilismo, uma condição em que nada tem valor intrínseco, e o sentido deve ser forjado pela própria vontade do indivíduo. Essa falta de propósito, ou pelo menos de um propósito claro e transcendente, pode levar ao desespero e ao sentimento de abandono.

Por outro lado, Kierkegaard explorou o conceito de desespero e a angústia existencial. Para ele, o desespero é uma condição humana inerente, uma consequência da nossa consciência de nós mesmos e do infinito. A falta de um propósito superior, ou a incapacidade de encontrá-lo, pode mergulhar o indivíduo em um estado de angústia profunda. Kierkegaard via na fé religiosa uma saída para essa angústia, uma forma de reconciliar a existência finita com o desejo de significado infinito.

A psicologia moderna também oferece percepções sobre a importância do propósito para o bem-estar humano. Estudos indicam que ter um senso de propósito está associado a diversos benefícios, incluindo maior resiliência, menor incidência de doenças mentais e uma vida mais longa. A falta de propósito, por outro lado, pode levar a sintomas de depressão, ansiedade e uma sensação geral de desorientação e apatia.

A literatura frequentemente espelha essa luta humana pela busca de significado. Em “O Estrangeiro” de Albert Camus, o protagonista, Meursault, vive uma vida aparentemente desprovida de significado ou propósito. Sua indiferença diante da vida e da morte reflete um profundo niilismo e desconexão emocional. Camus, por meio de sua filosofia do absurdo, sugere que, embora a vida possa parecer sem sentido, é a revolta contra esse absurdo que pode gerar um sentido, mesmo que provisório.

Outra perspectiva literária é oferecida por Dostoiévski, cujas obras exploram frequentemente a tensão entre fé e desespero. Em “Crime e Castigo”, o protagonista Raskolnikov (que significa cisão ou cisma) luta com o vazio moral e existencial, resultante de sua crença de que ele está além do bem e do mal. Sua jornada é uma busca tortuosa por redenção e propósito, refletindo a luta interna entre valores e a busca por um significado maior.

Esses reflexos filosóficos e literários sublinham uma verdade fundamental: a falta de propósito não é apenas uma questão intelectual, mas uma crise existencial com profundas implicações emocionais e psicológicas. No mundo contemporâneo, onde as tradições e valores que antes forneciam um senso de propósito estão em declínio, a busca por significado tornou-se mais individualizada e, muitas vezes, mais difícil.

O desafio moderno é encontrar ou criar um propósito que seja autêntico e satisfatório. Para alguns, isso pode ser encontrado na religião, na espiritualidade, nas relações interpessoais ou no trabalho. Para outros, pode ser uma busca contínua, uma jornada pessoal que nunca chega a um fim definitivo, mas que, ainda assim, oferece momentos de sentido e conexão.

A reflexão filosófica e a introspecção são ferramentas poderosas para navegar nessa jornada, lembrando, como disse Nietzsche, que “aquele que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como.

“É por aí…

 GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito.

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