Entenda polêmica envolvendo importações arroz

Desde a “batida do martelo”, o leilão do governo para importar arroz não ficou livre de polêmicas. Nesta terça-feira (11/6), menos de uma semana após o evento acontecer, o presidente Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) anunciou a suspensão da compra de 263 mil toneladas do cereal.

A iniciativa do governo já havia sido questionada por especialistas, representantes do setor produtivo e parlamentares da oposição, que chegaram a levantar a possibilidade de se abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

A notícia de que um ex-assessor de Neri Geller, então secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura do país, foi um dos negociadores do leilão foi o estopim. Relembre os pontos mais importantes dessa história e saiba as razões de tanta discussão em torno do remate.

Por que importar arroz?

O governo federal tomou a decisão de importar arroz após as fortes chuvas no Rio Grande do Sul, que atingiram boa parte do Estado entre o fim de abril e o começo de maio. As enchentes causaram mais de R$ 3 bilhões em prejuízos ao setor agropecuário.

A primeira sinalização de que o Brasil poderia importar o cereal veio do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que os rizicultores gaúchos respondem por 70% da produção nacional do alimento.

As estimativas iniciais apontavam que cerca de 600 mil toneladas foram comprometidas. No entanto, como grande parte da safra já havia sido colhida quando as precipitações começaram, o setor produtivo gaúcho foi firme desde o início e garantiu que teria produto suficiente para suprir toda a demanda nacional.

Ainda assim, o Poder Executivo publicou uma medida prevendo a comprar de até 1 milhão de toneladas de arroz, sob o argumento de evitar uma alta para o consumidor e a especulação com os preços do cereal.

Mudança de rota

Inicialmente, o governo sinalizou a comprara de 100 mil toneladas de arroz do Mercosul, mas, de acordo com o Ministério da Agricultura, a notícia fez com que os preços subissem até 40% nos países vizinhos. O primeiro leilão, marcado para 21 de maio, foi cancelado.

Como medida adicional, o Executivo anunciou que estava zerando a Tarifa Externa Comum (TEC) para compra do produto de fora do bloco sul-americano. A decisão gerou reações. O ministro da Agricultura do Uruguai, Fernando Mattos, rebateu, em entrevista ao jornal local El Observador, fala do ministro Carlos Fávaro: “Não especulamos com arroz”, disse.

Preço e padrão do arroz

Em 29 de maio, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) destacou no aviso de compra pública as características do arroz importado: beneficiado, polido, longo fino, Tipo 1, colhido na safra 2023/2024. Outro detalhe dizia respeito à embalagem, que deveria ser de 5 quilos, com preço máximo de R$ 20. A ideia anterior era vender o cereal em pacotes menores, de 2 quilos, a R$ 8.

Repercussão

A compra do arroz gerou descontentamentos no meio político e também entre os produtores. O deputado estadual Marcus Vinícius de Almeida (PP-RS), por exemplo, pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a autorização dada à Conab.

O parlamentar alegou que o governo não apresentou fundamentação técnica para justificar a aquisição e que a medida representava intervenção indevida no domínio econômico, concorrência desleal e predatória, abuso de poder político em ano eleitoral e riscos à saúde.

Quem também se apresentou contrário foi a Cooperativa Regional de Energia e Desenvolvimento do Litoral Norte (Coopernorte), com sede em Viamão (RS). Bazílio Carloto, diretor-presidente da entidade, questionou as particularidades do alimento.

“Com certeza, esse arroz que vem de fora, nesse preço, não deve ser um arroz de qualidade. A não ser que seja um arroz subsidiado, lógico. Mas subsidiou quem?”, disse ele, que também é agricultor.

Três deputados gaúchos, Marcel van Hattem (Novo), Lucas Belo Redecker (PSDB) e Felipe Camozzato (Novo), também descontentes com a medida, moveram uma ação, que foi acolhida pelo juiz federal substituto Bruno Risch Fagundes de Oliveira e suspendeu o leilão. Porém, no dia seguinte, o governo federal derrubou a liminar, mantendo a compra pública.

O leilão

Quase um mês depois da publicação da Medida Provisória (MP) que autorizava a importação, em caráter excepcional, de até 1 milhão de toneladas de arroz, a Conab fechou a aquisição de 263 mil toneladas no mercado internacional por meio do leilão, no dia 6 de junho. A quantidade corresponde a 88,7% do previsto no edital.

O volume foi dividido em 28 lotes, mas 10 deles acabaram não negociados, enquanto um foi cancelado. Nos demais, a maior parte foi arrematada pelo preço de abertura a R$ 5 o quilo, com alguns saindo por R$ 4,98 e R$ 4,99.

O resultado foi questionado desde o início. Um dos motivos é a participação de empresas que não têm um histórico de participação no mercado do cereal. Entre os nomes, há uma companhia de locação de veículos e máquinas pesadas (ASR), uma comerciante de queijos (Queijos Minas) e uma processadora de polpas de frutas (Icefruit).

O maior vencedor do leilão foi Wisley Alves de Souza, proprietário da Queijos Minas, que vai receber R$ 736 milhões por seis lotes. Ele deve entregar 147 mil toneladas de arroz até 8 de setembro. Antes, terá que depositar uma garantia de 5% do valor total, cerca de R$ 36,8 milhões. Os outros arrematante também devem depositar as garantias relativas a cada lote que adquirira. Caso não façam no prazo, que termina nesta sexta-feira (14/6), a negociação é cancelada.

No último fim de semana, diante das controvérsias, a empresa de Wisley de Sousa se pronunciou e disse que lamenta que “grupos com interesses contrariados estejam tentando afetar sua imagem e deturpar a realidade num momento em que é essencial o país encontrar formas de assegurar o abastecimento de arroz para a população”.

Os demais arrematantes também se manifestaram. O proprietário da ASR Locadora de Veículos e Máquinas Pesadas, Crispiniano Wanderley, disse que o resultado do leilão foi consequência de boicote de grandes grupos, que teriam interesse em vender arroz a preços mais elevados. Ele argumentou que a ausência dessas empresas abriu espaço para concorrentes de menor porte.

A Icefruit assegurou, em nota, que a venda do produto aos consumidores no Brasil será dentro dos parâmetros de preços e qualidade pré-determinados. A empresa é uma das principais empresas no segmento de frutas, vegetais e congelados do Estado de São Paulo.

O estopim

Outro ponto de questionamento era a proximidade do principal intermediário das operações no leilão com o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller. A Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e a Foco Corretora de Grãos, empresas criadas em maio de 2023 por Robson Luiz de Almeida França, ex-assessor de Geller, intermediaram a venda de 44% do arroz importado vendido no leilão.

Todos negam qualquer tipo de favorecimento, mas a notícia motivou o deputado federal Luciano Zucco (PL-RS) iniciar a coleta de assinaturas para a criação de uma CPI para investigar uma suposta fraude no processo de importação. Em nota, ele afirmou que há “indícios de uso de empresas de fachada na disputa” e citou a participação de Wisley Alves de Souza, que arrematou seis lotes entre os 28 disponíveis.

O assunto ligou um sinal de alerta na cúpula do Poder Executivo. Nesta segunda-feira, o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, discutiram a situação com representantes da Advocacia-geral da União (AGU) e Controladoria Geral da União (CGU).

O Palácio do Planalto já avaliava o potencial de dano que o episódio poderia causar à imagem do governo caso alguma irregularidade seja identificada no certame. À Globo Rural, uma fonte graduada de Brasília afirmou que o governo reconhecia o conflito de interesses e já estudavam a exoneração de Geller para evitar colocar em risco a cadeira do ministro Carlos Fávaro.

Nesta terça (11/6), Neri Geller anunciou sua demissão, pouco antes das compras realizadas no último leilão serem anuladas. Edegar Pretto, presidente da Conab, disse que o governo marcará uma nova data.

Desta vez, o evento terá a participação da Advocacia-Geral da União (AGU) e Controladoria Geral da União (CGU). O ministro Carlos Fávaro garantiu que serão construídos “mecanismos” para avaliar empresas participantes.

(Globo Rural)

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