Male gaze

ROSANA LEITE

É um termo utilizado em inglês, e que significa olhar masculino. Ao retratar as mulheres, as artes visuais e a literatura, muitas vezes o fazem pela perspectiva heterossexual e masculina. 

Não é por menos que convivemos com programas televisivos a mostrar o corpo feminino, como forma de evocar audiência. Na década de 70 e 80, as chacretes do Cassino do Chacrinha estavam a rebolar com collant semelhantes a roupas de banho, e que se perfaziam em atração para chamar o comercial rodando sensualmente o dedo indicador, ou os colocando perto da boca. E assim o eram, também, as “boletes” do apresentador Bolinha. Já no ano 2000, atrações de programas televisivos, da mesma forma, exploraram o corpo feminino: Pânico, Programa Sílvio Santos, H, Domingão do Faustão, e por aí afora.

Também da década de 80, os comerciais de TV se utilizavam do corpo das mulheres, com a respectiva sensualidade, com a finalidade de expor marcas de bebidas alcoólicas.  Aliás, com o tempo, esses comerciais de TV passaram por críticas pelo uso dessas imagens. Agora começaram a modificar o tipo de abordagem. 

A indústria de cinema, por décadas, deixou transparecer em seus produtos que o masculino é forte, inteligente e perspicaz. E, de outro lado, que as mulheres são objetos a se apreciar, como forma de satisfação para prazeres estéticos e sexuais para alguém que a contempla, surgindo a figura da escopofilia. Assim, através do male gaze vê-se a “deformação” específica do olhar masculino em relação à mulher. Uma das cenas mais conhecidas no cinema mundial é a de Marilyn Monroe segurando o vestido branco.     

John Berger, crítico da arte e romancista, diz que a presença social do homem é diferente da mulher. Eles são medidos pela promessa do poder que podem encarnar; enquanto elas pelos gestos, gostos e opiniões que refletem como elas se permitem serem tratadas. É como se as mulheres sempre fossem aquilatadas por parâmetros masculinos, mesmo por outras mulheres. Logo, para que as mulheres possam estar inseridas em contextos sociais aceitáveis e alcancem convívio de pertencimento, acabam tendo que se portar como se tivessem a obrigação de “agradar” ao patriarcado. Mais ou menos como algumas frases de efeito que alimentam o machismo estrutural. “Mulher boa é a quietinha”. “Mulher no volante, o perigo é constante”. “Determinado tipo de mulher é para se casar, e outras não”. “A mulher deve ser calma, paciente e resignada”.

Sartre em “O Ser e o Nada” descreve subjetivamente quanto à forma que as pessoas olham para as outras pessoas. Segundo o filósofo, a pessoa que observa tem na observada um objeto, e não um ser humano. Partindo-se dele, até pelas estatísticas de crimes contra a dignidade sexual praticados contra mulheres, elas são vistas, em regra, como coisas a serem consumidas pelos olhos de quem vê. E esse discurso acaba por trazer significações ao mundo atual, onde a ditadura da beleza dita normas, primordialmente para elas. 

Fica visível que as lentes, até a presente data, sem a igualdade de gênero desejada, se encontram “desfocadas” de onde deveriam estar “enquadradas”. A dominação reverbera, fazendo com que a ideia de feminilidade faça coro à vulnerabilidade delas. 

O olhar, ou os olhares mundanos sobre os corpos femininos, trazidos e introduzidos pela TV, literatura, artes plásticas, ou outras denominações de expressões artísticas as imobiliza pela cultura do estupro e patriarcalismo. Há um certo uso indiscriminado do corpo das mulheres sem que haja consentimento delas. 

É preciso mudar o olhar, usando “óculos” ou “lentes de contato” para alcançar a visão real, e enxergar na igualdade de gênero a forma correta de contemplar.        

ROSANA LEITE ANTUNES DE BARROS – é defensora pública e mestra em Sociologia pela UFMT.

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