Da Constitucionalização do porte e uso de drogas

O Senado Federal aprovou em segundo e último turno a inclusão no artigo 5º da Constituição Federal de mais um inciso: “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”.

Com essa Emenda a Constituição entendem os senadores que se criminalizou o porte e o uso de pequenas quantidades de drogas, em contraposição ao Supremo Tribunal Federal, que em votação ainda não encerrada, tem decidido pela descriminalização do uso e do porte de pequenas quantidades de entorpecentes, estando a discussão fixada em quanto seria essa pequena porção – 10, 25 ou 60 gramas de drogas.

Entendo que essa questão deveria ter sido melhor debatida para fixação em lei infraconstitucional, e não na Constituição. Até porque, como vimos pelo texto aprovado, os constituintes jogam expressamente à lei o que se caracterizará como posse e porte de drogas.

E essa lei já existe.

É a Lei n. 6368 de 21 de outubro de 1976, que assim se reporta:

  Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

        Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a  50 (cinquenta) dias-multa.

Ora, esse artigo está em plena vigência, não foi revogado. Portanto, portar para uso próprio substâncias consideradas entorpecentes é crime.

Outra Lei, n. 11.343/2006, no artigo 28, estabelece que comprar, guardar ou portar drogas sem autorização para consumo próprio, incorre nas seguintes penas – I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Mais uma vez verifica-se que o porte e uso de drogas para fins pessoais está devidamente penalizado no Brasil.

E como a PEC do Senado remete a legislação ordinária as definições do que seria porte para uso pessoal de drogas e as penas a serem aplicadas, bastaria se alterar a legislação vigente, sob pena de tudo permanecer como está.

E mais, a lei já prevê que para determinar se a droga é para consumo pessoal o juiz deverá observar a quantidade, local e condições da apreensão, circunstâncias sociais e pessoais, bem como conduta e antecedentes do acusado. (LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006).

E nada disso foi alterado pelo constituinte, no Senado Federal.

A PEC aprovada no Senado foi  remetida à Câmara Federal que a analisará podendo alterá-la, aprová-la na integra ou rejeitá-la.

O Supremo tem defendido que o usuário de drogas antes de um criminoso é um doente, que precisa de atenção básica do Estado, e não punição. Realmente o é.

O Supremo quer unificar a questão da quantidade de drogas para ser considerado usuário ou traficante, e não deixar ao arbítrio policial tal enquadramento. Diz o Ministro Alexandre de Morais: O branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que o preto e pardo para ser considerado traficante. Para um analfabeto, por volta de 18 anos, preto ou pardo, a chance de ele, com uma quantidade ínfima, ser considerado traficante é muito grande. Já o branco, mais de 30 anos, com curso superior, precisa ter muita droga no momento para ser considerado traficante — afirmou Moraes, com base nas conclusões da pesquisa.

Continua: por isso, ele defendeu a necessidade de se diminuir a “discricionariedade” seja na abordagem policial como nos julgamentos. O estudo diz que a mediana de maconha apreendida no caso de analfabetos acusados como traficantes é de 32 gramas. Já para o caso de pessoas com curso superior é de 49 gramas, uma diferença de 52%.

Tudo poderia ser resolvido com uma emenda a lei existente.

Repito que da forma como foi aprovada praticamente nada se alterará na situação atual, exceto se houver uma mudança na legislação ordinária, o que não se viu em nenhuma manifestação legislativa.

FRANCISCO ANIS FAIAD – é Advogado, Professor, Ex Presidente da OAB/MT.

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