Lucas Costa Beber
Todos que acompanham os noticiários sabem que nossa produção passa por momento desafiador, muito além do que vivemos em um passado recente. O cenário atual conjuga preços internacionais da soja deprimidos e custos de produção elevados. Apesar disso, acho importante detalhar a realidade, pela perspectiva dos produtores, antes de adentrar na questão central desse artigo.
Começamos com a calamidade natural: seca brutal e calor intenso devastaram nossas lavouras no início do ciclo da soja, forçando o replantio de mais de um milhão de hectares em Mato Grosso (Agroconsult) e reduzindo drasticamente a expectativa de produção.
A despeito disso, os preços despencaram. A saca de soja, que há dois anos era comercializada em média acima de R$ 150,00 no estado, caiu para menos de R$ 100,00 na maioria das praças.
Na ótica dos custos, a realidade foi inversamente proporcional, comparando a safra atual com a de 2019/20, os custos operacionais aumentaram 45%, com os preços dos defensivos e das sementes subindo, respectivamente, 35% e 50%. Trazendo para uma linguagem mais familiar ao setor, nos municípios onde a saca está sendo comercializada por R$ 100,00, serão necessárias mais de 63 sacas para cobrir o custo operacional total, ilustrando a dimensão do desafio daqueles que colheram abaixo de 50 sacas por hectare.
Muitos perguntam: o que o produtor fez com o caixa formado nos anos de bons preços da commodity? Considero pertinente a pergunta, pois permite uma análise mais profunda do problema.
O primeiro aspecto que precisa ser considerado é de que preço do produto não determina necessariamente a lucratividade. Para conhecer a sobra de caixa de qualquer empreendimento, é preciso entender sua formação de custos.
Segundo aspecto diz respeito a comercialização e fixações antecipadas. Em março de 2022, a soja chegou ao patamar de R$ 180 em diversas cidades de Mato Grosso, mas isso nem de longe significa que os produtores conseguiram vender sua produção toda nesse patamar. Uma busca rápida na internet nos mostra que, na época, a Aprosoja-MT e a Frente Parlamentar da Agropecuária questionavam a elevação exponencial dos preços dos fertilizantes, o cloreto de potássio, por exemplo, saiu de US$ 300 para US$ 1.100 a tonelada. Nesse ambiente de insegurança em relação a próxima safra, muitos produtores começaram a fixar sua comercialização bem antes do pico de preço. Mas é obvio que muitos produtores se beneficiaram dessa conjuntura, colheram boas produtividades e venderam bem a produção, especialmente aqueles que já possuíam armazém na fazenda.
Todavia, muitos desses produtores reinvestiram na própria produção, evitando tomar crédito à taxa de juros de mercado, que ainda estão bastante elevadas. Esse movimento fez o aporte de recursos próprios dos produtores no custeio da atividade saltar de R$ 7,2 bilhões na safra 2021/22 para R$ 15,8 bilhões na safra atual. Em dois anos, estima-se que os produtores investiram mais de R$ 35 bilhões na produção, segundo estudo do IMEA.
Apesar desse acréscimo de recursos próprios, nas últimas duas safras, 65% do crédito tomado teve como fonte os agentes privados, a juros livres. E não custa rememorar que em dezembro de 2022 a taxa básica de juros estava em 13,75%, e em dezembro de 2023, 11,75% ao ano. Ou seja, aqueles produtores que tinham “lenha pra queimar”, queimaram tudo. Aqueles que não conseguiram aproveitar os topos de mercado, estão agora alavancados a custos financeiros elevadíssimos.
Diante desse cenário caótico de custos e produção, traders estão preocupados se vão ter soja para cumprir contratos, revendas fazem contas para pagar os empréstimos que fizeram com as multinacionais e produtores estão com os nervos à flor da pele, preocupados em adimplir suas obrigações.
Porém, uma empresa, a Bayer, parece não ter tomado conhecimento da situação, talvez porque, aparentemente, lucre independente da situação.
A afirmação parece um pouco ilógica, uma empresa que se beneficie de uma crise tão profunda em seu próprio setor, eu explico.
A Bayer fatura em anos bons, que é quando o produtor adquire insumos de maior investimento, especialmente defensivos agrícolas, isso todo mundo já sabe. Entretanto, agora descobrimos que ela ganha também quando o cenário é catastrófico, na medida em que cobra dos produtores rurais royalties da biotecnologia Intacta, em duplicidade, das áreas de replantio, ou seja, a empresa aufere receitas questionáveis exatamente daqueles agricultores que estão em situações mais desesperadoras.
Se levarmos em consideração os números apresentados pela Agroconsult, 8,5% de replantio no Mato Grosso representa quase R$ 250 milhões em royalties recolhidos sobre sementes que não germinaram.
E as contradições da empresa se amontoam. A Bayer alega que o produtor não paga necessariamente por patentes, mas pelos benefícios entregues pela biotecnologia. Essa é uma narrativa que usa para defender seu modelo de cobrança, que arrecada royalties de patentes vigentes e vencidas. Porém, que benefício o produtor terá de uma tecnologia sobre uma semente que não germinou?
O aumento exponencial da mosca branca associado à biotecnologia Intacta e a redução perceptível da resistência às lagartas, parecem não constranger seu sistema de cobrança. Apenas esses dois fatos conhecidos por todos já ensejariam um debate sobre o valor do royalty. Não é assim que a Bayer enxerga a situação, para a multinacional, é completamente normal cobrar por uma tecnologia que já não mais entrega aquilo que se propõe.
Quando a Bayer (antes Monsanto), começou a investir em biotecnologias no Brasil, buscou o apoio do setor produtivo para construção de um ambiente regulatório que favorecesse a pesquisa e a inovação nessa área. Naquela ocasião, a relação entre a empresa e os produtores brasileiros prometia ser uma parceria de mutualismo, ou “ganha-ganha”.
Hoje, se o produtor reclama de uma cobrança de royalties em duplicidade nas sementes certificadas, ao entrar em contato com a Bayer, ela orienta o produtor a procurar o sementeiro de quem adquiriu o produto. Se há uma retenção indevida na moega, ela manda o produtor discutir com a trading suas frustrações. Por último, se o produtor quiser debater questões operacionais acerca dos créditos de royalties, a Bayer também não o atende, gentilmente o direciona a entrar em contato com uma joint venture chamada Cultive Biotec, uma espécie de “caviar, nunca vi nem comi, só ouço falar”.
E aí nos damos conta de que estamos diante de um caso atípico de parasitismo, sem precedentes, pois não existem registros na natureza de parasitas que demonstrem aversão pelo seu hospedeiro.
Lucas Costa Beber – é presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT).
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