Diabetes: do rico e do pobre

MARCELO MAIA

Temos um enorme abismo no tratamento da diabetes entre ricos e pobres

O Dia Mundial da Diabetes é comemorado desde 1991, em 14 de novembro, data de aniversário de Sir Frederick Banting, codescobridor da insulina, juntamente com Charles Best.

A data foi criada para alertar ao mundo sobre a pandemia de diabetes mellitus. A doença é caracterizada pelo aumento do açúcar no sangue devido à falta ou defeito na ação da insulina.

Tanto a diabetes tipo 1 (¨insulino dependente¨) que afeta geralmente crianças e adolescentes, como a diabetes tipo 2, relacionada a obesidade e ao histórico familiar da doença, estão crescendo em todos os países do mundo.

Projeta-se que em 2030 cerca de 21,5 milhões de brasileiros terão a doença, e no mundo mais de 450 milhões de pessoas serão acometidas. Diante disso, a previsão de gastos com a saúde da população portadora de diabetes, seja pelo sistema público ou privado, será uma das maiores entre as várias doenças crônicas, como câncer e doenças cardiovasculares. 

A diabetes tipo 2 é responsável por mais de 80% dos casos, tendo como base hábitos de vida inadequados, como sedentarismo e elevada ingestão calórica associado ao consumo de alimentos considerados inflamatórios como os ultraprocessados, por exemplo, refrigerantes, biscoitos recheados e o macarrão instantâneo com seu maldito saquinho de temperos rico em glutamato monossódico e outros aditivos químicos.

Costumo dizer aos meus clientes que a diabetes mellitus é a doença dos pecados capitais: a GULA, a PREGUIÇA e a IRA. Gula não quer dizer apenas comer em excesso, é também comer o que sabidamente faz mal e não mudar este hábito. A ira não é apenas aquele intenso sentimento de ódio e de rancor contra o próximo, mas também aquela mente ansiosa e angustiada.

A preguiça é o símbolo da vida moderna, sofá, telas e cama. O que mais ouço no consultório:¨é doutor a indústria farmacêutica não deixa descobrir a cura da diabetes só para ficar vendendo remédios¨.

Mentira! A culpa é da gula, da preguiça e da ira. A indústria farmacêutica desenvolve remédios para tratar doenças, ela não inventa as doenças, mas nós podemos criar doenças quando comemos errado, ingerimos álcool em excesso, fumamos, ficamos sedentários e ansiosos.

A obesidade é a base do problema em cerca de 80% dos casos de diabetes tipo 2. Diversos estudos têm demonstrado que uma redução de peso acima de 15% pode reverter a diabetes tipo 2 livrando o paciente da necessidade de uso de medicamentos e insulina. É a cura? Não! Se recuperar o peso perdido a diabetes também voltará.

Aqui começa a diferença entre a diabetes do rico e do pobre. A cada dia que passa a diferença do preço entre os alimentos saudáveis e os ultraprocessados/industrializados se torna maior. A indústria alimentícia consegue reduzir o preço dos alimentos ultraprocessados/industrializados enquanto os alimentos de verdade, carnes, frutas, verduras, legumes e cereais estão cada dia se tornando mais caros.

Quando falamos de medicamentos no tratamento da diabetes e da obesidade isso se torna ainda mais discrepante. As famosas injeções para tratar a diabetes, promovendo grande perda de peso, além de proteger os rins e o sistema cardiovascular do paciente, é inacessível a maioria da população já que chegam a custar quase 1 salário-mínimo brasileiro.

Outros medicamentos modernos chamados inibidores da SGLT-2, medicamentos que induzem perda de açúcar pelos rins com isso promovendo melhora na glicemia, reduzindo peso e o ácido úrico, melhorando a pressão arterial, além de reduzir as chances de complicações renais e cardiovasculares também são de valor elevado e infelizmente ofertado somente para portadores de diabetes tipo 2 com idade acima de 65 anos na presença de complicações renais e cardíacas.

Enquanto isso, a rede pública de saúde continua ofertando a velha glibenclamida, droga que deixamos de prescrever em nossos consultórios privados há mais de uma década, pois além de não mostrar proteção cardiovascular e renal, acelera a necessidade do uso de insulina nos pacientes com diabetes tipo 2. Falta de opção?

Não, falta de vontade política! A COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE DO ESTADO DE MATO GROSSO – CIB/MT já recomendou aos municípios de MT a incorporação da gliclazida, medicamento mais eficaz, com comprovado benefício na proteção cardiovascular e renal, com menor risco de hipoglicemias e ganho de peso. Infelizmente, foi adotada por poucos municípios simplesmente porque a glibenclamida é mais barata.

E nem falamos sobre novas insulinas, sensores de medir glicose, bombas de insulinas e outras tecnologias mais inacessíveis ainda.

Em conclusão, temos um enorme abismo no tratamento da diabetes entre pessoas ricas e pobres, aquelas podendo ter acesso aos tratamentos que reduzem a ocorrência de infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral, doença renal crônica e consequentemente óbitos, enquanto assistimos assustados a piora destas complicações no sistema único de saúde – SUS, simplesmente pela falta de oferta destes novos medicamentos. Independente deste abismo, a mensagem final continua sendo a mesma, coma pouco, ingerindo alimentos de verdade, exercite-se muito e acalme sua mente.

Marcelo Maia é médico endocrinologista, especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias Cuiabá Notícias.

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