Se pudesse dar um conselho ao presidente Lula (PT) para nomear o próximo ministro ou ministra do STF (Supremo Tribunal Federal), a desembargadora do Trabalho Adenir Alves da Silva Carruesco, de Mato Grosso, diria que essa escolha deve ser guiada pela visão de construir uma corte que atenda às necessidades da população brasileira e seja um símbolo de igualdade e representatividade.
Mulher negra de família pobre, Adenir teve o apoio de órgãos do estado mato-grossense, como a OAB (Ordem dos Advogados) e a Câmara Municipal de Rondonópolis, segundo ela, para se lançar candidata para ocupar a vaga da ex-ministra Rosa Weber no STF.
Atuando no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, ela nasceu no interior do Paraná, estudou em escola rural e é filha de uma boia-fria com um trabalhador rural. Com apoio dos pais, conseguiu se formar no magistério e em direito.
Para a desembargadora, porém, as cortes superiores ainda não refletem a diversidade do país. A seleção para a vaga do STF precisa levar em conta não apenas o notório saber jurídico, disse, mas também a pluralidade de seus cidadãos.
“A escolha do presidente Lula deve considerar o clamor da sociedade por uma representatividade equilibrada. É fundamental que o Supremo se torne um reflexo do Brasil, com todas as suas cores e perspectivas. Nomear uma mulher negra seria um marco na história do país e uma demonstração do compromisso do governo com a diversidade e com a Justiça.”
Menos de 19% das cortes superiores são ocupadas por mulheres, embora elas representem 51% da população, afirmou a magistrada. Para ela, além de crucial, a diversidade é amparada por princípios constitucionais e tratados internacionais. “No entanto a Suprema Corte brasileira, que deveria ser um exemplo, carece dessa representatividade.”
Em 132 anos de história, o STF teve 171 ministros. Desses, apenas 3 mulheres, nenhuma negra. Atualmente, Cármen Lúcia é a única representante do sexo feminino, contra 9 ministros.
Lula ainda não definiu o nome a ocupar a outra vaga. O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, são os principais cotados.
A magistrada se coloca à disposição para o desafio da nomeação ao STF enfatizando que sua prioridade, além da representatividade, é a inclusão.
Adenir ressaltou a necessidade de “quebrar barreiras invisíveis” para permitir que mais pessoas alcancem sucesso, especialmente alunos de escolas públicas que enfrentam desafios socioeconômicos.
“O problema é que nós estamos apagando os sonhos das crianças. Nós estamos roubando o sonho do povo negro. A gente tem o direito de sonhar. Então, a importância dessa representatividade é muito grande em todos os espaços de poder.”
Para ela, é fundamental ter uma mulher negra no STF para garantir que todos os setores da sociedade estejam adequadamente representados no órgão de maior relevância jurídica.
“O nome da pessoa não é tão importante, mas sim a causa. A diversidade de experiências e origens é essencial para a construção de respostas eficazes aos problemas do Brasil.”
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) apoia a ideia de uma mulher dessa área no STF, como a desembargadora, mas sem a “defesa específica de nomes ou pessoas”.
“É a valorização do trabalho e de fortalecimento do sistema de Justiça trabalhista. Sabemos que além da desembargadora Adenir Carruesco, nossa associada, também temos a ministra [do Tribunal Superior do Trabalho] Kátia Arruda, igualmente associada e lançada à candidatura ao STF”, afirmou Luciana Conforti, presidente da Anamatra.
Depois que começou a ter seu nome cogitado, Adenir contou que foi fazer uma palestra em Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital de Mato Grosso, e se emocionou quando mães de meninas negras levaram suas filhas para tirar foto com ela.
“As meninas disseram que nem sabiam que existia uma desembargadora negra. Ficaram maravilhadas. Então, ali eu vi uma responsabilidade social muito grande que a gente tem quando ocupa o espaço de poder, como o que ocupo atualmente.”
Com cerca de 30 anos de magistratura, a história de Adenir no serviço público começou quando ela tinha 18 anos, impulsionada pelo que ela relata como preconceito sofrido ao se candidatar a um emprego em um banco que tinha como requisito “boa aparência”.
Ela não conseguiu a vaga e diz acreditar que a cor de sua pele foi determinante para isso.
“Depois dessa situação, precisava trabalhar e me realizar profissionalmente onde as pessoas me contratassem pela minha capacidade e não pela cor da minha pele. Foi então que fui aprovada no concurso como escrevente em Naviraí, na Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul.”
Desde então, ela se dedica ao funcionalismo público. Atualmente, se prepara para assumir, em dezembro, a presidência do TRT da 23ª Região, a primeira mulher negra no cargo.
A desembargadora federal iniciou sua carreira no magistério, dando aulas por cerca de um ano em uma escola rural. Ela cursou direito enquanto trabalhava como escrivã em Dourados (MS) e, em 1994, assumiu o cargo de juíza substituta em MT, sendo efetivada a titular em 2005. Foi promovida a desembargadora do Trabalho em 2020, a primeira negra na função.
Adenir destacou a importância do apoio de sua família em sua trajetória e a luta contra discriminação para chegar onde está. Seus pais, Geralda, 78, e Selvino, 84, não frequentaram a escola, mas deram a ela condições de ser a primeira filha do casal que estudasse.
Eles a dispensavam de tarefas domésticas para ter dedicação exclusiva aos livros. A jovem assistia às aulas num pasto da fazenda, dividindo o espaço com vacas, de acordo com ela.
Raio-X
É desembargadora federal do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região de Mato Grosso. É mestre e especialista em direito pela Universidade Austral de Buenos Aires.
Atua como gestora regional do programa de combate ao trabalho infantil e estímulo à aprendizagem. Foi professora de direito de 1998 a 2008, na Faculdade de Rondonópolis (MT). É casada e tem dois filhos. (Folha Press)