Gestão do dinheiro pode unir ou separar casais

Patricia Capitanio

Quando a gente ama, não pensa em dinheiro, só se quer amar. Escrita em 1971, a música do Tim Maia segue influenciando casais a ‘desapegar’ desta área da vida que pode ser motivo de muita frustração, brigas e até separação. Então, para construir um relacionamento saudável e duradouro a orientação é o contrário: fale sim sobre dinheiro. 

Os dados reforçam essa necessidade. Um levantamento realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil, 2019), em conjunto com a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), revelou que as maiores divergências e brigas dos 810 casais entrevistados envolviam organização financeira, gastos excessivos ou falta de dinheiro.  

Já segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de divórcios no país cresceu 75%, entre 2018 e 2022, sendo a principal causa a crise financeira. Isso comprova que o amor não sustenta uma relação de casal e que é primordial conversar sobre crenças e hábitos sobre dinheiro desde o início do namoro.  

Para ter sucesso, o relacionamento precisa ser pautado em transparência, respeito e harmonia. O que significa que não pode ser tabu, por exemplo, saber a renda do outro e quais são suas prioridades financeiras, pois apenas a partir de um cenário real as divergências poderão ser superadas. Casar-se precisa ser sinônimo de ‘parceria’.  

Muito se fala em fidelidade no amor, mas sem levar em conta que a questão abrange o dinheiro, ou seja, o parceiro que omitir informações vitais como compra de bens, investimentos, renda extra (caixa dois) e, principalmente, dívidas contraídas está cometendo uma infidelidade financeira que poderá decretar a falência da vida conjugal. 

Pensar em finanças, portanto, é pensar em companheirismo em todos os sentidos. Como a maioria de nós vai cometer erros, é importante evitar críticas e focar sempre em soluções. Recentemente, atendi um casal com histórias de vida diferentes, ela é uma servidora pública que viveu uma infância de escassez e que buscou no emprego a segurança, porém se tornou consumista para ‘compensar as faltas do passado’.  

O marido, por sua vez, desde criança acompanhou a situação financeira caótica dos pais, que mesmo tendo uma boa renda, viviam altos e baixos com períodos em que os cobradores corriam atrás para receber. Essas experiências geraram traumas e ele não consegue contrair empréstimos ou usar o cartão de crédito. Diante desse contexto divergente, estamos trabalhando um caminho para que o casal alcance a harmonia.  

Destaco ainda outro ponto importante quando buscamos o sucesso matrimonial, que é o planejamento. Sabemos que faz parte do nosso imaginário coletivo uma festa luxuosa, viagem de lua de mel e ter casa própria – “quem casa quer casa” -, mas nem sempre isso é possível dentro das possibilidades do jovem casal. Colocar na ponta do lápis todos os gastos e aguardar o momento certo pode evitar que o sonho vire pesadelo.  

Outra orientação é que, antes de morar juntos, o casal discuta detalhadamente como vai ser a organização financeira. Uma divisão de gastos proporcional à receita de cada um pode funcionar bem. Se eles ganham o mesmo valor, arcam com 50% das despesas da casa. Mas, se um ganha mais que o outro, pode funcionar uma divisão de 60/40% para rateio das contas fixas; e o que sobra é administrado individualmente.  

Não considero justa a divisão meio a meio quando há desproporção na renda. Também não concordo com a soma de toda renda para pagar as contas e o que sobrar é “do casal”, pois essa prática tira a autonomia e a individualidade da relação, o que pode gerar inúmeros conflitos e ainda sobrecarregar ou dar muito poder a um dos cônjuges.  

Um exemplo dessa situação aconteceu com um dos casais que ministrei consultoria recente. Durante o atendimento, o marido disse se sentir frustrado e envergonhado por ter que sair de férias e depois voltar ao trabalho e dizer aos colegas que não havia viajado. “Desde quando vocês não viajam?”, questionei.  

Desde que se casou, ele argumentou que a esposa havia decidido que todo dinheiro extra – incluindo férias – seria usado para consertar coisas na casa, ou seja, nunca mais viajaram. Observe que a partir do momento que uma das partes passa a decidir sozinha sobre a gestão do dinheiro, fazendo sua vontade prevalecer em relação às necessidades do outro, torna-se mais difícil e conflituoso.  

Independente de namorar, morar junto ou estar casado, a individualidade precisa ser respeitada e valorizada. O casal pode e deve ter metas, projetos e sonhos em comum, mas as vontades individuais precisam continuar existindo para o próprio bem da relação. É o que se espera de um relacionamento saudável, que busque harmonia entre dois mundos e não anular um deles.  

Por fim, para resguardar a paz, estude e avalie antecipadamente qual o melhor regime de bens para o casamento. Pode parecer besteira quando se está apaixonado, porém vai ser fundamental lá na frente como forma de resguardar seus direitos durante um eventual divórcio ou mesmo falecimento.  

Isso vale para decisões importantes, como ter ou não filhos, quantos filhos e quem vai cuidar das crianças. Em caso de a mulher decidir deixar o emprego para cuidar dos filhos, há um acordo formal sobre a importância desse trabalho? Infelizmente, muitos homens durante a separação não querem dividir os bens adquiridos alegando que “ganharam o dinheiro, enquanto elas ficavam em casa”.  

Nós, mulheres, principalmente, precisamos parar de fantasiar sobre o casamento como um conto de fadas. Encarar que a relação exige um esforço de sermos adultos e respeitosos, sobretudo no quesito dinheiro. Provavelmente você não tem noção de como fazer isso, porque seus pais também não sabiam. A proposta é justamente essa, vamos aprender juntos! Viva o amor e o dinheiro!  

Patrícia Capitanio – é graduada em Ciências Contábeis.

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