Vivências delas

Constantemente situações que retratam desrespeito e machismo são vistas. Em relacionamentos íntimo e de afeto são visíveis. Claro que, muitas vezes, as próprias mulheres percebem. Outras vezes, elas nem tomam conhecimento. 

Reprodução

E foi em um dia desses, mais precisamente em uma drogaria localizada na Praça 8 de Abril, aqui em Cuiabá, que presenciei algo lamentável. Costumo usar o caixa 24 horas do local, e já realizar as compras de remédio da família em mencionado local. Sábado à tarde, aproximadamente às 13 horas. Entrei e cumprimentei as pessoas que por lá trabalham, pois, já as conheço. Me dirigi ao caixa 24 horas. Adentrou à farmácia um senhor de aproximadamente 60 anos. A atendente, então, o perguntou sobre o estado de saúde da esposa dele, o que me fez compreender, mesmo sem participar da conversa, que a companheira estaria atravessando por enfermidade grave. Ele respondeu que ela estaria se tratando, seguindo as orientações médicas. O homem, em voz alta, diz à atendente: “Vou lá no carro ver se é essa m%$#@ que ela quer.” 

 

E foi no momento acima, após essa fala, que me ative ao diálogo, e parei para prestar a atenção em tudo à volta. Ele balançou nas mãos o que chamou de “essa m%$#@” e foi até o carro levar para a sua esposa ver se era o que queria. O carro do casal era uma caminhonete nova, modelo hilux, onde a esposa dele, doente, se encontrava.  Quando o marido chegou com o produto a lhe mostrar, sorriu e balançou positivamente com a cabeça, denotando ser o que estaria precisando, ou querendo. Ele, sem dar muita atenção, se virou, voltou para dentro do local, farmácia, onde a atendente e eu estávamos e disse: “Vou levar isso aqui. É essa a m%$#@ que ela quer”. 

 

O homem agiu normalmente frente a como se portou. Aliás, como se fosse normal, ética e correta a sua atitude. A atendente, por sua vez, educada ao extremo, embalou os produtos, inclusive aquilo que ele se referiu a “fezes”, para a sua companheira, e o entregou. Vida que seguiu…

 

A mulher que estava no carro, doente, usava máscara de proteção em seu rosto. Por certo, com medo de se contaminar com outra enfermidade. Se encontrava frágil pela doença, e, com todo cuidado quanto à imunidade. Já o homem, aquele que é, ou deveria ser o seu parceiro (na alegria e na tristeza, na saúde ou na doença…), aparentava estar bastante forte fisicamente.

 

É muito importante ressaltar o que era a m%$#@, que o sujeito se referiu. O produto era um shampoo que lava colorido, um tonalizante, estilo biocolor ou koleston. Ela, mesmo com a doença, queria estar bem, provavelmente, com muita vontade de viver, de sair daquela enfermidade. Não é possível mensurar o sofrimento dela com a doença. São informações que não pude aferir. Mas, com toda certeza, experimentou e estaria experimentando sofrimento. 

 

Em meio a tudo isso, claro, fui apenas usar o caixa eletrônico, mas parei para observar toda a conjuntura posta. O meu feminismo, a minha defesa às mulheres, não tira férias em momento algum. Acho que nem mesmo a atendente da farmácia percebeu que fiquei a fitar sobre o fato. Qual o significado de tudo isso?

 

É evidente que se houvesse um xingamento desse homem para com a mulher, tudo estaria mais fácil de compreender. Haveria intervenção da minha parte, ou da funcionária do local. Porém, a ferida não foi exposta. Ela ficou “pairando”.  Foi possível perceber se cuidar de um homem grosso e sem paciência com aquela que dividia a vida em comum, em momento de doença dela. E qual doença essa senhora estaria acometida? Doença psicossomática? Ora, ora, quantas dúvidas e explicações em apenas alguns minutos. Quanto tempo de união teria esse casal? E quantas situações similares a essa ela já teria passado? 

 

Violências que deixam marcas expostas ou não. Violências mostradas em ações. Violências por anos a fio. Violências que machucam, causam doenças, e matam de vez, ou aos poucos…

 

O que mais precisamos presenciar contra mulheres? Para, de fato, acreditar… 

 

(*) ROSANA LEITE ANTUNES DE BARROS é Defensora Pública Estadual.

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